No que diz respeito ao terreno político, a
divisão é o aspecto que mais incomoda Spielberg. A divisão que segrega os
homens e os fazem hostilizar uns aos outros. Mago de filmes infanto-juvenis que
encantam gerações desde meados da década de 1970 e 80, Steven Spielberg
consagrou-se como um mestre inigualável de filmes de fantasia, mas nunca deixou
de flertar insistentemente com o cinema sério.
A experiência tornou ainda mais habilidoso do
que antes já era com seu monumental talento, e com o tempo, obras preciosas
aportaram na tela do cinema, sendo “Ponte dos Espiões” o exemplar mais recente.
Tal e qual o diretor de fantasia que é, Spielberg
acredita no potencial para o bem da humanidade (e nenhum ator vivo personifica
melhor essa crença do que Tom Hanks), e deixa esse otimismo ingênuo
transparecer na história do advogado (Hanks) que em plena Guerra Fria recebe a
incumbência de defender como réu um espião russo (Mark Rylance, uma presença
interessantíssima), e mais tarde, acaba envolvido na complicada troca, desse
mesmo espião por dois desafortunados americanos, prisioneiros na União
Soviética.
Fosse outro diretor, este seria um filme sobre
as áreas lúgubres da situação entre EUA e URSS de então; teria lampejos de
suspense, certamente não resistindo à tentação de demonizar os russos e
santificar os americanos (o quê Spielberg quase acaba fazendo...); e
provavelmente mergulharia no viés político, expondo os minimalismos da situação
do período como forma de mostrar muito das conseqüências daquela época no
panorama de hoje.
Há um pouco disso tudo em “Ponte dos Espiões”,
mas ele vem com uma observação distinta que só um artesão muito singular com
Spielberg é capaz de levar. Ele crê no valor cabal de cada pessoa viva. E isso
é um mote que ele leva para praticamente todos os filmes de ‘cinema sério’ que
ele fez até hoje. Dentro dessa consideração de fé, entrando todos os homens de
bem, e não importa qual seja a sua nacionalidade.
“Ponte dos Espiões” vem
temperado por um cinismo quase conciliatório que o experiente Spielberg
adquiriu com o passar de tantos anos, mas a mensagem que ele quer levar é de
uma pureza e um pertinência que não merece ser ignorada.
Estou fascinado com essa adaptação! Ponte dos Espiões marca o retorno de Steven Spielberg à boa forma e ao modo mais gostoso de se fazer cinema: com criatividade e amor pela arte. Como sempre, Hanks traz sutilezas em sua atuação. O personagem nos cativa, provoca empatia imediata graças a naturalidade do talento do ator para trazer Donovan à vida. Mark Rylance (do óptimo Filme Dunkirk Completo ) faz um Rudolf Abel que não se permite em momento algum sair da personagem ambígua que lhe é proposta, ocasionando uma performance magistral, à prova de qualquer aforismo sentimental que pudesse atrapalhá- lo em seu trabalho, sem deixar de lado um comportamento espirituoso e muito carismático. O trabalho de cores, em que predominam o cinza e o grafite, salienta a dubiedade do caráter geral do mundo. Ponte dos Espiões levanta uma questão muito importante: a necessidade de se fazer a coisa certa, mesmo sabendo que isso vai contra interesses políticos ou de algum grupo dominante. A história aqui contada é baseada em fatos reais, mas remete também ao caso recente do ex-administrador de sistemas da CIA que denunciou o esquema de espionagem do governo americano em 2013 e foi tratado como um traidor, mesmo que tenha tido a atitude correta. É uma crítica clara à hipocrisia norte-americana, que trabalha sempre com dois pesos e duas medidas em se tratando de assuntos como esse.
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