domingo, 18 de setembro de 2016

Heavy Metal - Universo Em Fantasia

A revista européia “Metal Hurlant” era um poço de audácia e criatividade na modorrenta indústria de quadrinhos dos anos 1960 e 70, reunindo histórias que mesclavam as mais incríveis variações de ficção científica e terror que se podia imaginar (e concebidas com as mais pulsantes e inovadoras artes ilustrativas de mestres como Richard Corben, Tanino Liberatore, Enki Bilal, Moebius e muitos outros). Não tardou para que surgisse uma oportuna –e ainda mais memorável –versão norte-americana: “Heavy Metal”.
A idéia de conceber uma animação a partir dessa proposta era tão improvável quanto empolgante, e aconteceu do pessoal de outra revista, a humorística “National Lampoom’s” –e responsáveis por filmes como “Clube dos Cafajestes” –Ivan Reitman, Harold Ramis e outros mais, tocar esse projeto. Surgindo assim “Heavy Metal-Universo Em Fantasia”, um longa-metragem animado que marcou época nos anos 1980, gerando um culto que, à exemplo da revista que o inspirou, perdura até hoje.
Sua trama, espertamente, se ramifica em várias outras, que abarcam as diversas histórias destiladas na revista, variando de tom e ambientação e fazendo justamente desse detalhe o seu grande achado. E como não poderia deixar de ser, a trilha sonora é um espetáculo à parte, com músicas do Black Sabbath, Devo, Don Felder, Sammy Hagar, Stevie Nicks, Nazareth e muitos outros pontuando a narrativa.
A trama inicia-se em órbita de um desconhecido planeta, onde os habitantes brevemente demonstram uma tecnologia retro (muito comum em seus quadrinhos): Um astronauta, pai de família, sai de um ônibus espacial à bordo de um porsche (!), que atravessa sem problemas a extratosfera do planeta e pousa numa casa de campo. Lá, ele mostra para uma garotinha, sua filha, uma bugiganga que encontrou: Uma esfera verde que, logo descobriremos, tem poder e vida própria.
A esfera desintegra o pai da menina e a aterroriza, afirmando ser a materialização do mal, relatando, a partir daí, uma série de histórias deflagradas pela sua presença.

A primeira história se passa no planeta terra, em algum ponto do futuro, onde acompanhamos a rotina de um motorista de táxi, Harry Canyon, numa cidade de Nova York cheia de sucata cibernética (tudo indica que Luc Besson aproveitou as idéias dessa primeira história para criar seu “Quinto Elemento” que guarda características visuais e temáticas muito parecidas, inclusive com um protagonista que também é taxista!).
Canyon logo é envolvido numa trama criminosa, no melhor estilo filme noir, quando descobre que uma linda garota está sendo perseguida por bandidos que querem dela uma descoberta de seu pai: A tal esfera verde, que aqui descobrimos chamar-se Loc-Nar.
A primeira (e espetacular) cena de sexo do desenho aparece quando ela acaba indo pernoitar no apartamento de Canyon e dorme com ele, por gratidão (!), para no dia seguinte desaparecer. Nada faz muito sentido na história, que obedece uma série de paradigmas de gênero e nunca se leva muito a sério, mas “Harry Canyon” já estabelece muito bem o tom que a animação assumirá daqui para frente.

A segunda história já assume ares de uma aventura de fantasia bem típica dos anos 1980, numa animação relativamente interessante a partir dos traços do artista Richard Corben. Nela, um nerd rejeitado e amargurado encontra o Loc-Nar e, com ele, executa uma experiência que não apenas o transporta para outra dimensão (um misto de antiguidade bárbara com planeta alienígena) como também lhe dá um novo corpo, nada fraco nem franzino como o anterior, mas poderoso e musculoso.
Ele se torna essencial numa rebelião contra sacerdotes impiedosos, e pega todas as mulheres que lhe aparecessem pela frente: Os realizadores parecem se esbaldar com a possibilidade de mostrar nudez e sexo na animação!

A terceira história –e a mais fraca de todas –mostra uma espécie de julgamento ocorrido no espaço sideral envolvendo um tal de Capitão Sternn que, apesar da aparência altiva, é amoral e inescrupuloso. O Loc-Nar vem a transformar uma de suas testemunhas compradas num monstro à la Dr. Jeckil e Mr. Hide, que surge para matá-lo.

Pelo menos, a trama termina brevemente e logo pula para a quarta história, que poderia muito bem ter sido mais bem aproveitada: Desta vez, estamos na Segunda Guerra Mundial, e acompanhamos o vôo da aeronave B-17, que retorna sobre o oceano após uma terrível batalha que deixou muitos de seus soldados tripulantes mortos por seus corredores. Na forma de um meteoro, o Loc-Nar transforma seus cadáveres em zumbis, o quê torna tudo uma grande ameaça aos soldados que conseguiram sobreviver.

A quinta história começa com uma reunião secreta ocorrida no Pentágono, onde militares e políticos discutem uma possível ameaça alienígena, mas essa situação é logo descartada quando uma grande nave aparece e acaba abduzindo a deliciosa secretária deles (!). À bordo da nave estão dois alienígenas estranhíssimos (e viciados numa droga espacial que lembra muito a heroína...), e um bizarro robô que não tarda a interessar-se pela moça –e que, na cena seguinte, logo estará na cama com ela (!!).

A última e possivelmente melhor história envolve um culto à uma certa defensora de nome Taarna, cujo membros são mortos por camponeses transformados e monstros arruaceiros pelo Loc-Nar. Após a chacina de seus seguidores, Taarna (uma bela jovem que monta um dinossauro alado) aparece e parte para vingá-los, numa mistura de ficção científica estilo “Mad Max”, com pitadas de “Star Wars” e faroeste, numa técnica de animação mais realista que os capítulos anteriores, inclusive, recorrendo à rotoscopia formulada (como é chamada a técnica que consiste de desenhar uma animação por cima de uma cena previamente filmada com atores, e bastante empregada, na época por Ralph Baski)... ah, claro, e com direito às magníficas cenas de nudez gratuita de sua protagonista!

Ao fim dessa última história, descobrimos que Taarna é a antagonista natural do Loc-Nar, e que a menina à quem ele tenta acuar desde o início do filme é sua reencarnação. Então, o Loc-Nar é destruído e a menina encontra seu dinossauro alado, assumindo assim seu destino como Taarna.

Eis uma animação pouco usual, datada é bem verdade, mas cheia de ímpeto e inventividade.

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