A revista européia “Metal Hurlant” era um poço
de audácia e criatividade na modorrenta indústria de quadrinhos dos anos 1960 e
70, reunindo histórias que mesclavam as mais incríveis variações de ficção
científica e terror que se podia imaginar (e concebidas com as mais pulsantes e
inovadoras artes ilustrativas de mestres como Richard Corben, Tanino
Liberatore, Enki Bilal, Moebius e muitos outros). Não tardou para que surgisse
uma oportuna –e ainda mais memorável –versão norte-americana: “Heavy Metal”.
A idéia de conceber uma animação a partir dessa
proposta era tão improvável quanto empolgante, e aconteceu do pessoal de outra
revista, a humorística “National Lampoom’s” –e responsáveis por filmes como
“Clube dos Cafajestes” –Ivan Reitman, Harold Ramis e outros mais, tocar esse
projeto. Surgindo assim “Heavy Metal-Universo Em Fantasia”, um longa-metragem
animado que marcou época nos anos 1980, gerando um culto que, à exemplo da
revista que o inspirou, perdura até hoje.
Sua trama, espertamente, se ramifica em várias
outras, que abarcam as diversas histórias destiladas na revista, variando de
tom e ambientação e fazendo justamente desse detalhe o seu grande achado. E
como não poderia deixar de ser, a trilha sonora é um espetáculo à parte, com
músicas do Black Sabbath, Devo, Don Felder, Sammy Hagar, Stevie Nicks, Nazareth
e muitos outros pontuando a narrativa.
A trama inicia-se em órbita de um desconhecido
planeta, onde os habitantes brevemente demonstram uma tecnologia retro (muito
comum em seus quadrinhos): Um astronauta, pai de família, sai de um ônibus
espacial à bordo de um porsche (!), que atravessa sem problemas a extratosfera
do planeta e pousa numa casa de campo. Lá, ele mostra para uma garotinha, sua
filha, uma bugiganga que encontrou: Uma esfera verde que, logo descobriremos,
tem poder e vida própria.
A esfera desintegra o pai da menina e a
aterroriza, afirmando ser a materialização do mal, relatando, a partir daí, uma
série de histórias deflagradas pela sua presença.
A primeira história se passa no planeta terra,
em algum ponto do futuro, onde acompanhamos a rotina de um motorista de táxi,
Harry Canyon, numa cidade de Nova York cheia de sucata cibernética (tudo indica
que Luc Besson aproveitou as idéias dessa primeira história para criar seu
“Quinto Elemento” que guarda características visuais e temáticas muito
parecidas, inclusive com um protagonista que também é taxista!).
Canyon logo é envolvido numa trama criminosa,
no melhor estilo filme noir, quando descobre que uma linda garota está sendo
perseguida por bandidos que querem dela uma descoberta de seu pai: A tal esfera
verde, que aqui descobrimos chamar-se Loc-Nar.
A primeira (e espetacular) cena de sexo do
desenho aparece quando ela acaba indo pernoitar no apartamento de Canyon e
dorme com ele, por gratidão (!), para no dia seguinte desaparecer. Nada faz
muito sentido na história, que obedece uma série de paradigmas de gênero e
nunca se leva muito a sério, mas “Harry Canyon” já estabelece muito bem o tom
que a animação assumirá daqui para frente.
A segunda história já assume ares de uma
aventura de fantasia bem típica dos anos 1980, numa animação relativamente interessante a partir dos traços do artista Richard Corben. Nela, um nerd rejeitado e
amargurado encontra o Loc-Nar e, com ele, executa uma experiência que não
apenas o transporta para outra dimensão (um misto de antiguidade bárbara com
planeta alienígena) como também lhe dá um novo corpo, nada fraco nem franzino
como o anterior, mas poderoso e musculoso.
Ele se torna essencial numa rebelião contra
sacerdotes impiedosos, e pega todas as mulheres que lhe aparecessem pela
frente: Os realizadores parecem se esbaldar com a possibilidade de mostrar
nudez e sexo na animação!
A terceira história –e a mais fraca de todas
–mostra uma espécie de julgamento ocorrido no espaço sideral envolvendo um tal
de Capitão Sternn que, apesar da aparência altiva, é amoral e inescrupuloso. O
Loc-Nar vem a transformar uma de suas testemunhas compradas num monstro à la
Dr. Jeckil e Mr. Hide, que surge para matá-lo.
Pelo menos, a trama termina brevemente e logo
pula para a quarta história, que poderia muito bem ter sido mais bem
aproveitada: Desta vez, estamos na Segunda Guerra Mundial, e acompanhamos o vôo
da aeronave B-17, que retorna sobre o oceano após uma terrível batalha que
deixou muitos de seus soldados tripulantes mortos por seus corredores. Na forma
de um meteoro, o Loc-Nar transforma seus cadáveres em zumbis, o quê torna tudo
uma grande ameaça aos soldados que conseguiram sobreviver.
A quinta história começa com uma reunião
secreta ocorrida no Pentágono, onde militares e políticos discutem uma possível
ameaça alienígena, mas essa situação é logo descartada quando uma grande nave
aparece e acaba abduzindo a deliciosa secretária deles (!). À bordo da nave
estão dois alienígenas estranhíssimos (e viciados numa droga espacial que lembra
muito a heroína...), e um bizarro robô que não tarda a interessar-se pela moça
–e que, na cena seguinte, logo estará na cama com ela (!!).
A última e possivelmente melhor história
envolve um culto à uma certa defensora de nome Taarna, cujo membros são mortos
por camponeses transformados e monstros arruaceiros pelo Loc-Nar. Após a
chacina de seus seguidores, Taarna (uma bela jovem que monta um dinossauro
alado) aparece e parte para vingá-los, numa mistura de ficção científica estilo
“Mad Max”, com pitadas de “Star Wars” e faroeste, numa técnica de animação mais
realista que os capítulos anteriores, inclusive, recorrendo à rotoscopia
formulada (como é chamada a técnica que consiste de desenhar uma animação por
cima de uma cena previamente filmada com atores, e bastante empregada, na época
por Ralph Baski)... ah, claro, e com direito às magníficas cenas de nudez
gratuita de sua protagonista!
Ao fim dessa última história, descobrimos que
Taarna é a antagonista natural do Loc-Nar, e que a menina à quem ele tenta
acuar desde o início do filme é sua reencarnação. Então, o Loc-Nar é destruído
e a menina encontra seu dinossauro alado, assumindo assim seu destino como
Taarna.
Eis uma animação pouco usual, datada é bem
verdade, mas cheia de ímpeto e inventividade.
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