segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Trainspotting - Sem Limites

As influências sempre exerceram efeito particular nas obras de Danny Boyle de maneira individual: Em sua estréia, “Cova Rasa”, sua fonte era Alfred Hitchcock, na ficção “Sunshine-Alerta Solar”, eram as obras de Kubrick (“2001”) e Tarkoviski (“Solaris”), no filme que lhe deu o Oscar, “Quem Quer Ser Um Milionário?”, eram as produções indianas de “Bollywood”.
Na época de seu lançamento, 1996, até se alardeou que uma das influências de Boyle para “Trainspotting” seria “Laranja Mecânica”, de Kubrick, mas essa é uma afirmação redundante, não apenas pela considerável diferença entre a proposta desses dois filmes, como também pela originalidade salutar e a fascinante diversidade de idéias que há para se perceber na obra de Boyle, um retrato até então sem precedentes do universo dos viciados em drogas –talvez, a obra cinematográfica que tenha chegado mais perto de uma observação tão apurada e estilizada quanto a deste filme tenha sido somente (e olhe lá...) o audacioso “Drugstore Cowboy”, de Gus Van Sant, de 1989.
Passado nos anos 1990, “Trainspotting” acompanha a rotina de jovens drogados dos subúrbios da Escócia, com ênfase no ponto de vista do protagonista, Mark Renton (um inspirado Ewan McGregor). A turma de Renton é impagável: o mala-sem-alça e fã passional de Sean Connery, Sick Boy (Johnny Lee Miller); o esquisito, irrequieto e simpático Spud (Ewen Bremmer); o certinho Tommy (Kevin McKidd) e o psicótico Begbie (Robert Carlyle).
A trama inicia-se numa das muitas e inúteis tentativas de Renton em largar seu vício, mas ele só passa a levar tal atitude a sério quando tragédia irreversíveis de fato começam a pesar sobre ele e sobre seus amigos.
Um das grandes sacadas de Boyle e do roteiro de John Hodge foi isentar-se de julgamentos morais e retratar a condição do vício inicialmente de forma bastante subjetiva –há um momento em que Renton relata que o êxtase provocado pela droga é “melhor do que mil orgasmos!” –vale dizer que isso provocou enorme controvérsia quando do lançamento deste filme nos EUA. O que os moralistas conservadores não perceberam foi a diferença entre as ideologias do protagonista e do autor: Conforme avança sua narrativa sobre a vida de Renton, Danny Boyle desconstrói sua fascinação pelas drogas e sua convicção no êxtase feliz que elas proporcionam imprimindo uma espiral de tormento e dor de tal forma impiedosa e irônica que só encontra paralelo no inteligente senso de humor que ele aproveita para destilar –este foi, em inúmeros aspectos, um filme bem a frente de seu tempo.
É curioso perceber que, por isso mesmo, pouco a pouco “Transpotting” se firma também como um formidável registro do comportamento e da mentalidade geracional da década de 1990.

“Quem Quer Ser Um Milionário?” pode ter lhe dado o Oscar de Melhor Diretor, e ele pode ter feito muitos ótimos filmes depois disso, mas ainda é “Trainspotting” o grande trabalho da carreira de Danny Boyle.

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