É surpreendente que o jovem diretor Steven
Spielberg, neste que é apenas seu terceiro trabalho, o segundo em cinema (os
anteriores foram o televisivo “Encurralado” e “Louca Escapada”), já entregue o
que pode ser chamado tranqüilamente de “aula de cinema”.
Isso porque “Tubarão” é calcado em elementos
que só crescem com o tempo –hoje quarenta anos depois de seu lançamento,
continua uma experiência espetacular e relevante, se comparado com tentativas,
ora válidas, ora pedantes, de simulá-lo, como os recentes “Águas Rasas” e
“Terror Na Água”.
Essa obra seminal de suspense parte de um princípio
básico bastante inédito para os anos 1970 de então: Tudo começa na pequena
cidadezinha portuária de Amity, cujos banhistas de sua praia local são
aterrorizados por constantes ataques do que parece ser um gigantesco tubarão.
O primeiro deles, que abre o filme, já é, em
si, um exemplo completo da excelência em direção que Spielberg adotou para a
produção (e que, de maneira geral, só iria aprimorar dali em diante): Uma jovem
tira suas roupas à noite e vai mergulhar nas águas do mar, onde a perspectiva
submarina de câmera combinada à trilha sonora pontual, criativa e inesquecível
de John Williams criam uma atmosfera de terror eminente que muitos ainda
argumentam ser imbatível –sequer há necessidade de que o tubarão, propriamente
dito, apareça!
Vindo da cidade grande, e ainda em processo de
adaptação, o novo xerife do local (Roy Scheider, no melhor papel de sua
carreira) ao tentar alertar e prevenir a população, de imediato, sofre severo
empecilho das autoridades que desejam abafar o caso e preservar o potencial
turístico da cidade. É lógico que narrativamente falando, estes são apenas
subterfúgios para que novas mortes se sucedam –irmanando o filme de Spielberg
com toda a sorte de filmes do gênero que vieram antes e depois, ainda que esses
objetos de obviedade na trama nunca lhe tirem o brilho: Habilidoso como poucos,
Spielberg emprega os traquejos convencionais do gênero apenas para alimentar a
natureza envolvente de seu filme.
No terceiro e magnífico ato do filme, o
personagem de Roy Scheider reúne um veterano pescador do mar (Robert Shaw, de
“O Homem Que Não Vendeu Sua Alma”) e um oceanógrafo (um ainda jovem
Richard Dreyfuss) para juntos adentrarem o mar e caçar o monstro.
A verdade é que muitas das escolhas feitas por
Spielberg, em sua maioria, obedeceram o critério da necessidade: Sem um vasto
orçamento, que possibilitasse materializar todo o tipo de cenas que pudesse
querer, e sobretudo, sem um recurso técnico convincente para mostrar o tubarão
em questão, Spielberg vale-se, o tempo todo, dos artifícios da sugestão, o quê
não apenas aproxima ainda mais seu filme das raízes de gênero, como também leva
o espectador a níveis alarmantes de aflição ao esconder, por meio de cortes
rápidos e de habilidosos jogos de câmera, justamente aquilo que mais se quer
mostrar –o próprio tubarão.
Retumbante sucesso nas
bilheterias, exatamente um ano antes de um certo “Star Wars”, de George Lucas,
mudar o cinema comercial para sempre, “Tubarão” recebeu, por sua primorosa
execução, inúmeras indicação ao Oscar. Ganhou três estatuetas, inclusive de
Melhor Trilha Sonora, mas perdeu os prêmios de Melhor Filme e Melhor Diretor
para “Um Estranho No Ninho”. Mas, na realidade, isso pouco importa: A
verdadeira conquista de “Tubarão” foi seu ingresso inquestionável entre as
grandes obras do cinema, e a forma permanente com a qual ele marcou a cultura
pop.
Nenhum comentário:
Postar um comentário