segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Tubarão

É surpreendente que o jovem diretor Steven Spielberg, neste que é apenas seu terceiro trabalho, o segundo em cinema (os anteriores foram o televisivo “Encurralado” e “Louca Escapada”), já entregue o que pode ser chamado tranqüilamente de “aula de cinema”.
Isso porque “Tubarão” é calcado em elementos que só crescem com o tempo –hoje quarenta anos depois de seu lançamento, continua uma experiência espetacular e relevante, se comparado com tentativas, ora válidas, ora pedantes, de simulá-lo, como os recentes “Águas Rasas” e “Terror Na Água”.
Essa obra seminal de suspense parte de um princípio básico bastante inédito para os anos 1970 de então: Tudo começa na pequena cidadezinha portuária de Amity, cujos banhistas de sua praia local são aterrorizados por constantes ataques do que parece ser um gigantesco tubarão.
O primeiro deles, que abre o filme, já é, em si, um exemplo completo da excelência em direção que Spielberg adotou para a produção (e que, de maneira geral, só iria aprimorar dali em diante): Uma jovem tira suas roupas à noite e vai mergulhar nas águas do mar, onde a perspectiva submarina de câmera combinada à trilha sonora pontual, criativa e inesquecível de John Williams criam uma atmosfera de terror eminente que muitos ainda argumentam ser imbatível –sequer há necessidade de que o tubarão, propriamente dito, apareça!
Vindo da cidade grande, e ainda em processo de adaptação, o novo xerife do local (Roy Scheider, no melhor papel de sua carreira) ao tentar alertar e prevenir a população, de imediato, sofre severo empecilho das autoridades que desejam abafar o caso e preservar o potencial turístico da cidade. É lógico que narrativamente falando, estes são apenas subterfúgios para que novas mortes se sucedam –irmanando o filme de Spielberg com toda a sorte de filmes do gênero que vieram antes e depois, ainda que esses objetos de obviedade na trama nunca lhe tirem o brilho: Habilidoso como poucos, Spielberg emprega os traquejos convencionais do gênero apenas para alimentar a natureza envolvente de seu filme.
No terceiro e magnífico ato do filme, o personagem de Roy Scheider reúne um veterano pescador do mar (Robert Shaw, de “O Homem Que Não Vendeu Sua Alma”) e um oceanógrafo (um ainda jovem Richard Dreyfuss) para juntos adentrarem o mar e caçar o monstro.
A verdade é que muitas das escolhas feitas por Spielberg, em sua maioria, obedeceram o critério da necessidade: Sem um vasto orçamento, que possibilitasse materializar todo o tipo de cenas que pudesse querer, e sobretudo, sem um recurso técnico convincente para mostrar o tubarão em questão, Spielberg vale-se, o tempo todo, dos artifícios da sugestão, o quê não apenas aproxima ainda mais seu filme das raízes de gênero, como também leva o espectador a níveis alarmantes de aflição ao esconder, por meio de cortes rápidos e de habilidosos jogos de câmera, justamente aquilo que mais se quer mostrar –o próprio tubarão.
Retumbante sucesso nas bilheterias, exatamente um ano antes de um certo “Star Wars”, de George Lucas, mudar o cinema comercial para sempre, “Tubarão” recebeu, por sua primorosa execução, inúmeras indicação ao Oscar. Ganhou três estatuetas, inclusive de Melhor Trilha Sonora, mas perdeu os prêmios de Melhor Filme e Melhor Diretor para “Um Estranho No Ninho”. Mas, na realidade, isso pouco importa: A verdadeira conquista de “Tubarão” foi seu ingresso inquestionável entre as grandes obras do cinema, e a forma permanente com a qual ele marcou a cultura pop.

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