quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Bruxa de Blair

Em 1999, um fenômeno então ímpar tomou o mundo de assalto: Um filme de baixíssimo orçamento –e mais modestos ainda recursos de filmagem –peitou de igual para igual, os blockbusters do período valendo-se de um princípio criativo, uma quantia absurda de suspensão de crença do público (tão mais funcional quando se trata de um filme de terror) e um trabalho de marketing sem precedentes amparado na Internet –que, à época, não era tão abrangente para que seus navegadores expusessem o fato do filme ser fictício, mas era popular o bastante para difundir toda uma mitologia que proporcionou forte upgrade à trama da produção.
Esse filme era “A Bruxa de Blair” cuja campanha online esmiuçava o histórico de Ellie Kedward (a dita bruxa), detalhava as ocorrências macabras em torno de sua lenda, estabelecia com rigor documental o quanto tal clamor popular afetou a cidadezinha de Blair (a ponto de fazê-la ser toda abandonada) e, por fim, fornecia os detalhes de como algumas filmagens perdidas feita por três jovens que nunca mais foram vistos acabaram sendo encontradas numa cabana no meio da floresta de Black Hills, e depois editadas a pedido por uma empresa de cinema –nada disso, diga-se de passagem, está no filme propriamente dito!
O filme “A Bruxa de Blair”, portanto (ou “The Blair Witch Project”) era somente uma peça da ampla cultura que foi criada em torno dessa idéia –e a divulgação pela Internet, um achado que ampliou seu alcance.
Realizado no formato found footage, “A Bruxa de Blair” (que tinha uma vaga influência no infame filme italiano, “Holocausto Canibal”) era um notável exercício com a simulação de realismo –não só os atores tinham, em cena, os mesmos nomes de seus personagens, como suas atuações viscerais (especialmente a protagonista, Heather Donahue) eram pra lá de convincentes, cortesia dos métodos inventivos dos diretores Daniel Myrick e Eduardo Sanchez.
Tal êxito não poderia ficar sem uma continuação, e ela foi feita: “A Bruxa de Blair-O Livros das Sombras” foi lançado anos depois, com produção e linguagem convencional de filme de ficção, decepcionando a maioria dos fãs que se mantinham fascinados pelo original.
De lá para cá, “A Bruxa de Blair” ganhou inevitáveis ares cult, e tornou-se a grande e primordial referência para filmes found footage que, nas últimas décadas, pode-se afirmar, esgotaram a novidade do filão. Não que bons exemplares não tenham sido feitos, mas para cada trabalho interessante como “Cloverfield”, “Atividade Paranormal” (só o primeiro!), “Rec” e “VHS”, haviam produtos lastimáveis como “Diário dos Mortos”, “A Visita”, Projeto Almanaque”, “JeruZalém” e “O Último Exorcismo”.
Foi justamente o realizador de um dos bons filmes dessa safra, Adam Wingard (diretor de “VHS”), o escolhido para tocar esta inesperada continuação, intitulada “Bruxa de Blair” (sem o artigo!) que, com produção dos diretores do original, buscou dar continuidade à trama do primeiro filme, recuperando o estilo de linguagem e o mistério, e ignorando sua malfada seqüência.
É assim que acompanhamos James, irmão mais novo da jovem protagonista desaparecida do primeiro filme que, incentivado por uma amiga documentarista, e acompanhado de um casal de amigos e uma dupla de irmãos, resolve se embrenhar na floresta de Black Hills, atrás de novos indícios do paradeiro de sua irmã.
E lá, como é esperado e inevitável, eles se tornam novas presas para a lendária assombração.
A grande diferença neste filme mais recente é, essencialmente, o enorme salto tecnológico que os utensílios de captura de imagem sofreram com o intervalo dos anos: Se na década de 1990, Heather e seus amigos tinham câmeras de considerável tamanho para portar, aqui, os jovens incautos possuem transmissores de áudio e vídeo do tamanho de um aparelho auditivo que podem usar sem sequer perceber, além de drones equipados com câmera e GPS. E ainda sim, nada disso, irá livrá-los do perigo que os espreita na floresta à noite, cujo desenvolvimento, à despeito da vasta tecnologia que eles ostentam na primeira metade, seguirá tal e qual se dá no filme original.
Aí está, portanto, o calcanhar de Aquiles do novo filme: A pretensão em entregar algo tão novo amparado nas novas e sofisticadíssimas formas de registro em contraponto à realidade de que, comparado ao ímpeto de singularidade, esmero e genuíno pavor psicológico de “A Bruxa de Blair”, este mais recente filme não tem grandes coisas (nem tampouco grandes sustos) a oferecer.

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