quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Além da Linha Vermelha

Logo após a realização de seu elogiado “Cinzas do Paraíso” –também conhecido como “Dias de Paraíso” –o diretor Terence Malick, realizador excêntrico e dono de uma filmografia pequena e personalíssima, entrou em um auto-exílio que durou vinte anos sem filmar absolutamente nada, por razões que jamais vieram à público (como é normal à tudo que é ligado à sua enigmática persona). Esse lapso durou até 1999, quando Malick ressurgiu para realizar este incomum épico de guerra, tão inusitado quanto intimista.
Na trama que busca adaptar sem fidelidade estrutural, mas com fidelidade ‘espiritual’ o romance poético de James Jones, um desertor do exercito norte-americano (Jim Caviezel, que posteriormente estrelaria "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson) é recrutado por seu amigo e oficial (Sean Penn) para lutar na ofensiva americana na Ásia, em Guadalcanal, na Segunda Guerra Mundial. O pelotão todo é composto (dos soldados aos oficiais) por homens divididos por seus próprios conceitos éticos e dilemas existenciais acerca da guerra, e essa angustia se manifesta em monólogos declamados em off que aclimatizam as cenas com uma sensação original (ainda que nem sempre agradável) de estranhamento –e Malick parece valer-se do mito que esses vinte anos de reclusão criaram ao seu redor para atrair para esses papéis um dos mais assombrosos elencos masculinos do cinema norte-americano: Surgem em participações ora relevantes, ora completamente corriqueiras, rostos famosos como John Travolta, Nick Nolte, George Clooney, John Cusack, Woody Harrelson, Adrien Brody, Jared Leto e muitos outros.
Muito longe de ser o filme deste diretor que mais me agradou, este “Além da Linha Vermelha” é ilustrativo do quanto o estilo contemplativo de Malick contrasta brutalmente com o de filmes como "O Resgate do Soldado Ryan" (lançado naquele mesmo ano) que abordam o conflito a partir de uma reconstituição minuciosa das cenas de guerra. Malick está mais interessado em dar voz às angústias pessoais de seus personagens, num ritmo e num tom muito particulares -ainda que seja esta uma de suas obras de aparato técnico mais vasto e meticuloso.
Se suas produções adquirem com isso uma personalidade diferencial –sempre ela inerente ao seu realizador –ao mesmo tempo isso lhes atribui um caráter de difícil acessibilidade, que o expectador menos engajado não consegue assimilar.

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