sábado, 18 de março de 2017

Adeus, Minha Concubina

Dentre os grandes autores de cinema chineses a surgir em meados dos anos 1980 e 90, Chen Kaige é aquele que preservou a verve mais transgressiva.
Nesse sentido, uma das obras mais emblemáticas dele é o premiado “Adeus, Minha Concubina” que dividiu em 1993, a Palma de Ouro em Cannes com “O Piano”.
Politizado, tal e qual seu conterrâneo Zhang Ymou (de quem emprestou a habitual atriz Gong Li para este filme), mas disposto a falar sobre meandros ainda mais espinhosos e delicados, ele lança um olhar tão revelador quanto desconcertante sobre as práticas artísticas da China (onde meninos orfãos eram instruídos a se adequar forçadamente aos papéis –inclusive os femininos! –que lhes eram designados para as apresentações teatrais), durante o convulsivo período dos anos 1960 e 1970 (a Revolução Cultural da China), onde transformações políticas radicais transformaram as índoles de vários cidadãos.
Na realidade, pode-se dizer que Chen Kaige dedicou sua filmografia a registrar de maneira incansável as variações humanas ocasionadas pelos dilemas que nasceram nesse território.
Seus personagens, o fanfarrão Douzi (Leslie Cheung) e o sensível Shitou (Zhang Fengyi), a quem eram reservados os papéis femininos, traçam uma longeva carreira de apresentações da peça “Adeus, Minha Concubina”, desde quando se conheceram ainda meninos, em 1925, na Academia de Teatro, até as apresentações festejadas, já durante a década de 1960, quando a presença da prostituta Juxian (Gong Li, embriagante) cria um triângulo amoroso, desestabilizando a amizade dos dois.
Essa visão de específica peculiaridade lançada sobre a política e a homossexualidade acarretou ao filme e ao seu realizador uma série de proibições na China, onde as autoridades consideraram negativa a postura de Kaige em relação ao seu país.
Mas, ele por vezes se abstém de fazer tratados políticos. O objetivo de Chen Kaige, enquanto contador de histórias é mais íntimo: Quando jovem, durante a Revolução de Mao, ele –que serviu como guarda vermelho –chegou a denunciar o próprio pai, o cineasta Chen Huaikai.
Adulto, ele conscientizou-se do ato imensamente prejudicial que cometeu durante os rompantes da juventude, daí a ser profundamente pessoal a maneira como sua narrativa entende os sentimentos absolutamente conflitantes de um de seus personagens, quando a narrativa toma um rumo assim muito parecido.
Nos filmes de cunho político que moldou ao longo da carreira –e no tom quase sempre de voraz perplexidade com que flagra esses dramas humanos –Chen Kaige buscou, mais que tudo, pedir perdão: Seu pai é diretor de arte em “Adeus, Minha Concubina”.

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