Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 1993,
trata-se de uma das mais desafiadoras metalinguagens já elaboradas do cinema,
abordando um período que sempre fascinou seus realizadores: Eles fariam, mais
tarde, outros e distintos filmes sobre a Velha Hollywood.
Barton Fink, é o nome de um dramaturgo
nova-iorquino alçado à posição de roteirista de Hollywood em meio aos anos
1940. E, na interpretação cheia de angústia de John Turturro, ele é também um
prato cheio para que os irmãos Joel e Ethan Coen explorem a dicotomia entre os
fantasmas da criação artística em oposição às circunstâncias opressivas da
realidade.
Quando sua trajetória começa, Barton é
celebrado em Nova York pela primorosa peça de cunho social que escreveu –e que
coleciona elogios da crítica desde então.
Não demora muito para que um flerte inevitável
para com a indústria cinematográfica aconteça e, quando Barton menos espera
(assim como a platéia), ele já está num quarto alugado de um hotel na
Califórnia, incumbido de escrever um roteiro no qual seu eufórico produtor
(Michael Lerner) deposita imodesta expectativa.
É nesse ponto que os Coen se revelam,
confrontando o quase sempre perplexo Barton Fink com toda a sorte de ironias
possíveis (e até mesmo impossíveis!) do mundo real.
Acometido por um súbito (e até compreensível)
bloqueio criativo, Barton constrói de maneira um pouco relutante uma amizade
com seu vizinho de quarto, Charlie, o caixeiro viajante bonachão e misterioso
vivido magnificamente por John Goodman.
As conversas com ele quebram um pouco da rotina
acachapante que Barton descobre entre aquelas quatro sufocantes e escaldantes
paredes (a onda de calor registrada em Los Angeles faz até com que seus papéis
de parede descolem!).
Há, pelo menos, outra breve visita do mundo
exterior, por assim dizer: Audrey Taylor, a esposa e secretária (Judy Davis) de
um roteirista alcoólatra (John Maroney) muito admirado por Barton.
Cada um desses personagens lhe expõe uma faceta
cruel e sarcástica das coisas como elas são: Charlie é procurado pela polícia
sob suspeita de ser um serial killer, o quê não parece encaixar na visão que
Barton tem dele; Audrey sofre, resignada, a injustiça de ser a real autora dos
trabalhos aclamados de seu marido, no entanto, essa indignação pode ser (ou
não) o estopim de uma possível tragédia.
As reviravoltas que ocorrem a partir daí ratificam
a capacidade dos Coen em trabalhar a ambivalência moral de seus personagens,
assim como de adotar uma narrativa que poderia soar acadêmica em seu formato,
mas que subverte toda e qualquer expectativa em sua essência.
São instantes que os Coen sugerem sem nunca, de
fato, esclarecer, deixando inúmeros plots e ganchos narrativos numa dúvida que
persiste depois que o filme se acabou.
A ironia torna a martirizar a vida de Barton
Fink quando, após vencer o bloqueio criativo depois de muitos percalços até inacreditáveis,
ele entrega (depois de uma cena de um incêndio desconcertante onde os Coen
descartam o cenário opressor do filme) o roteiro finalizado com a alma e a
poesia que pretendia fazer, e ele é, curiosamente, rejeitado por seu produtor
–agora com a personalidade toda transformada pelos novos tempos –o quê reflete
muito da esquizofrenia criativa dos grandes estúdios (com a qual, é provável,
os Coen já tiveram de lidar) na ânsia de tentar atender as vontades do público.
Num rumo inverso ao dos contos morais a que
estamos acostumados, os Coen pegam seu protagonista e o fazem regressar ao
lúdico (ao invés de sair dele) numa cena calma e serena em uma praia quase
deserta. Uma jovem (que remete em muito à garota de pureza plena que aparece na
cena final de “A Doce Vida”) lhe pergunta a respeito da caixa que carrega (que
remete, por sua vez, à uma acidez ao estilo Luis Buñuel), um enigma perene do
filme.
Ele pergunta a ela se ela trabalha com cinema.
“Não seja bobo...” é a
resposta que ele recebe, para então perceber que a imagem da moça à sua frente
é a fotografia que ele olhava em seu quarto de apartamento, durante toda a
aflitiva experiência em agradar os engravatados de Hollywood –e o quê é o
cinema, senão uma fotografia em movimento?
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