terça-feira, 4 de abril de 2017

Olhos de Vampa

Pouco importa, a um grande e inatingível diretor como Steven Spielberg, se este ou aquele crítico enaltece ou não a sua obra. Ao mesmo tempo, um trabalho pequeno e cheio de esforço de um diretor menor, tão ele passível de receber todas as críticas e dissecações possíveis, pode apanhar feito “cachorro morto” daqueles que ficam protegidos sob a impunidade da pecha de “críticos” para destratar um trabalho que já nem tinha tanta pretensão em igualar-se aos blockbusters do circuito comercial.
Foi mais ou menos o que aconteceu com esta obra de Walter Rogério (diretor da ótima comédia “Beijo 2348/72”) que, em sua modesta intenção de imolar alguns gêneros obscuros (filme policial investigativo, noir, comédia, filme de serial killer e de vampiro) num único pacote pleno de sabor brasileiro (em particular do subúrbio paulistano), acabou sofrendo uma rejeição espúria que o arremessou na obscuridade dos filmes lançados em DVDs, mas, ainda assim, difíceis de se achar.
O expectador deve aceitar o espírito de auto-paródia que ronda cada uma das cenas e não levar nada muito a sério, caso contrário, é melhor nem mesmo iniciar o filme.
Oriundo do período da retomada –e, por isso mesmo, resultado de um cinema executado com poucos recursos e feito na base da guerrilha, o quê se reflete em uma estética bem suburbana –este trabalho apresenta uma trama de investigação tão absurdamente calcada em paradigmas de gênero que as suas manobras narrativas (ao menos durante boa parte de seus dois primeiros terços) podem ser adivinhadas com facilidade de antemão: O bairro paulista de Pinheiros é assolado por uma súbita série de mortes atribuídas ao que a polícia, em sua precariedade de recursos, acredita ser um vampiro.
As vítimas –a maioria mulheres jovens, belas e de corpo exuberante –são encontradas mortas com um pêssego na boca (!) e com uma mordida profunda em suas nádegas desnudas (!!).
Um vampiro bem brasileiro, pelo que se pode perceber!
Com as investigações lideradas pelo delegado Arthur (Antonio Abujamra) sem encontrar qualquer solução –enquanto novos crimes vão se somando –um policial (Washington Luiz Gonzáles, terrível) e um fotógrafo (o ótimo Marco Ricca) unem-se para tentar antecipar os passos do assassino, ou seja, deduzir quem será a dona da próxima bunda a ser mordida (!), que eles crêem ser a dançarina de boate Diva Botelho (Christiane Tricerri, que entra muda –ou, pelo menos, dublando –sai calada e rebola o traseiro durante todo o tempo).
Aos poucos, a narrativa algo titubeante de Walter Rogério lança uma atenção toda especial sobre o autor dos crimes –optando corajosamente em jogar por terra o mistério em torno da sua identidade e escolher por um caminho distinto –o psicopata Vampa, interpretado por Joel Barcellos (de "Os Fuzis", "O Segredo da Múmia" e “Rio Babilônia”), morador de um edifício caindo aos pedaços que vive, ao que parece, junto de uma estranha mendiga (Maura Baiocchi, uma presença tão psicodélica que chega a ser amedrontadora) que havia o encontrado ferido e moribundo em meio ao lixo e, graças aos poderes paranormais da macumba (!) conseguiu reavivá-lo.
São sutis demais as maneiras com que o filme amarra suas pontas soltas (quando as amarra) e isso pode contrastar –e passar despercebido –com a maneira escancarada com que os diversos elementos são apresentados: O final ratifica a sina inapelável de Vampa; a inoperância da polícia; a irrelevância dos protagonistas e a indiferença de tudo o mais, numa forma de ressaltar as angústias terceiro-mundistas.
O pecado maior de “Olhos de Vampa” e de seu diretor, Walter Rogério, talvez tenha sido não o de abraçar uma estética de incontornável precariedade, ou de se assumir como uma produção B, ou nem tampouco, de ter seus reais problemas de ordem cinematográfica, como uma história que jamais explica as origens, motivações e esclarecimentos em torno justamente de seu cerne –o psicopata que jamais ficamos sabendo, com plena certeza, se é ou não um vampiro (embora eu acredito que seja uma espécie revisionista de vampiro), e por que motivos (e por quais meios) acaba fazendo aquelas vítimas.
Não, o maior pecado do filme é o de permitir-se popularesco, com suas mulheres nuas, seu estilo marginal e seu tom achincalhado e vulgar aproximando-se muito do cinema brasileiro mais despojado dos anos 1980, o quê a produção cinematográfica nacional, pós-retomada passou a evitar de todas as maneiras possíveis almejando um novo cinema nacional, mais elegante e mais autoral, negando assim a herança e o passado da nossa filmografia. Isso levou “Olhos de Vampa” a sofrer uma espécie de auto-censura da parte do próprio mercado que arcaria com sua distribuição, mas que terminou numa tentativa de relegá-lo ao esquecimento.

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