domingo, 21 de maio de 2017

Demônio de Neon

Incompreendido: Essa talvez seja a definição mais adequada para o novo trabalho do diretor Nicolas Winding Refn que, cada vez mais confortável no rótulo de autor, fez uma de suas mais desafiadoras obras para o público.
“Demônio de Neon” começa acompanhando os passos da misteriosa e intrigante Jesse (Elle Fanning, ostentando um sex-appeal que ela já sinalizava em seus trabalhos com idade mais tenra como “Uma Lugar Qualquer” e “Super 8”).
Sem família e sem eira nem beira, Jesse quer destacar-se como modelo profissional no competitivo ambiente de Los Angeles e, de fato, sua beleza genuína e incomum não tarda a lhe proporcionar oportunidades, assim como também atrai a inveja de duas colegas (Bella Heathcote e Abbey Lee) e interesse da maquiadora Ruby (Jena Malone) que, combinados, representarão certo perigo para ela.
É um conto aflitivo, frio e visualmente exuberante este que Winding Refn compôs. Sua câmera e sua paleta de cores parecem incorporar (ou ao menos sugerir) os aspectos mais horrendos do ser humano, em curiosa oposição à beleza acachapante e opressora que predomina nas imagens. Assim sendo, ele inicia sua narrativa atento aos ressentimentos mundanos de ordem mais íntima facilmente ocultos através das aparências, mas gradualmente atinge atos inquietantes que aproximam esta obra, de fato, de um filme de terror (incluindo aí o canibalismo!) –embora ele nunca deixe de ser incategorizável.
Esse jogo de imagens e antíteses justapostas se evidencia no começo, quando as duas primeiras cenas de diálogo mais relevantes se sucedem, ambas, numa justaposição de reflexos de espelhos.
O que se segue a partir daí é uma sucessão de momentos transcorridos numa dimensão abstrata através da qual o diretor colhe imagens de absurdo alegórico e composição minimalista e refinada, extraindo constante estranheza: De aspecto metafórico, sobretudo, parecem ser as cenas ocorridas no motel onde Jesse se hospeda –um puma surge do nada do apartamento dela (!!!) –ocasionadas pela presença ameaçadora e invasiva de um gerente pernicioso e diabólico (Keanu Reeves, surpreendendo num papel sombrio e perigoso).
É verdade que Elle Fanning, talentosa, carismática e graciosa, sustenta sozinha grande parte do filme, e é verdade também que esse é um de seus grandes problemas, visto que a guinada radical, inesperada, macabra e anti-climática que ocorre em seus vinte minutos finais deixa de lado a protagonista (no que pode, ou não, ser uma referência de Winding Refn à “O Eclipse”, de Michelangelo Antonioni) para transcorrer em cenas de tom quase aleatório, até minguar num final estranho e inconcluso.
Se Winding Refn experimentou, em seus dois projetos anteriores a aclamação (com o magnífico “Drive”) e a indiferença (com o mediano “Só Os Deuses Perdoam”), com este “Demônio de Neon” ele descobriu uma incompreensão extrema da parte de público e crítica, ultrajados com o retrato superficial e rancoroso que ele faz do mundo fashion. Esses hiperlativos, somados à obra profundamente desigual que este filme é, fazem dele o mais absoluto cult-movie de sua carreira.

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