terça-feira, 2 de julho de 2019

Phenomena

Após ter sido o responsável por estabelecer as linhas gerais do sub-gênero giallo –que durante toda a década de 1970 foi largamente explorado na Itália –o diretor Dario Argento chegou, na década de 1980, em fase criativa na qual seu estilo pulsava na direção de outras experimentações.
Curioso notar que, como todo autor apegado a um tema e a uma inquietação específica, Argento valia-se dessas experimentações para modificar facetas do que era tão somente a variação de outras premissas que ele mesmo já havia executado.
Já em seu início, “Phenomena” lembra um bocado “Suspiria” ao mostrar a chegada da jovem Jennifer Corvino à Escola Interna Richard Wagner para Moças, na Suíça.
Não é apenas com “Suspiria” que a obra de Argento dialoga: Na presença inebriante e exalando pureza de Jennifer Connelly como a jovem protagonista o filme remete à “Labirinto-A Magia do Tempo” (ainda que tenha sido realizado depois), e com isso a um indissolúvel aspecto de contos de fadas –o misto de juventude pubescente, capacidade interpretativa precoce e beleza incomum capaz de afetar até mesmo homens adultos levou Jennifer Connelly a despertar o interesse de diretores europeus interessados nessa síntese intrigante entre fábula e história macabra, vide “Étoile”, de Peter Del Monte –certamente, também enxergamos a inevitável influência do próprio giallo; a trama de “Phenomena” se estrutura, por assim dizer, pelo recurso básico dos assassinatos cometidos em série, e da convulsiva dúvida acerca de quem os perpetra.
O mundo surreal e encantado de Jennifer Corvino (além de linda e imaculada, ela é filha de um ator famoso, e tem mal explicados poderes que permitem se comunicar com insetos) se choca, portanto, com o filme de terror característico de Argento quando ela, durante uma crise de sonambulismo, presencia um dos assassinatos, tornando-se a partir daí, alvo do assassino.
Na gramática de Argento, a entrada no contexto sinistro de sua trama se dá por meio do que por vezes define o conceito de cinema (o sonho) e sua permanência nele (a investigação subsequente) ocorre através do que define a própria filmografia de Argento: A sensação contínua de que se testemunhou algo vital sem no entanto ter certeza do que foi.
Argento é um realizador cheio de imperfeições: Ele relega inúmeras de suas participações coadjuvantes à irrelevância (como Donald Pleasence, Daria Nicolodi e o próprio antagonista da trama) em prol da atmosfera e das guinadas de ordem dramática; e se mostra negligente até mesmo com elementos que parece enaltecer (os poderes sobre os insetos da heroína nunca chegam a ter importância fundamental de fato na narrativa).
Mas, ele compartilha com o expectador uma fascinação genuína pelas conclusões morais e éticas que obtém através de suas miscelâneas visuais.
Aqui, ele leva a um extremo sanguinolento e grosseiro os impulsos corruptíveis do ser humano, para então deixar que sua protagonista encontre refúgio de tanta sordidez na natureza.

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