Após ter sido o responsável por estabelecer as
linhas gerais do sub-gênero giallo –que durante toda a década de 1970 foi
largamente explorado na Itália –o diretor Dario Argento chegou, na década de
1980, em fase criativa na qual seu estilo pulsava na direção de outras
experimentações.
Curioso notar que, como todo autor apegado a um
tema e a uma inquietação específica, Argento valia-se dessas experimentações
para modificar facetas do que era tão somente a variação de outras premissas
que ele mesmo já havia executado.
Já em seu início, “Phenomena” lembra um bocado
“Suspiria” ao mostrar a chegada da jovem Jennifer Corvino à Escola Interna
Richard Wagner para Moças, na Suíça.
Não é apenas com “Suspiria” que a obra de
Argento dialoga: Na presença inebriante e exalando pureza de Jennifer Connelly
como a jovem protagonista o filme remete à “Labirinto-A Magia do Tempo” (ainda
que tenha sido realizado depois), e com isso a um indissolúvel aspecto de
contos de fadas –o misto de juventude pubescente, capacidade interpretativa
precoce e beleza incomum capaz de afetar até mesmo homens adultos levou
Jennifer Connelly a despertar o interesse de diretores europeus interessados
nessa síntese intrigante entre fábula e história macabra, vide “Étoile”, de
Peter Del Monte –certamente, também enxergamos a inevitável influência do
próprio giallo; a trama de “Phenomena” se estrutura, por assim dizer, pelo
recurso básico dos assassinatos cometidos em série, e da convulsiva dúvida
acerca de quem os perpetra.
O mundo surreal e encantado de Jennifer Corvino
(além de linda e imaculada, ela é filha de um ator famoso, e tem mal explicados
poderes que permitem se comunicar com insetos) se choca, portanto, com o filme
de terror característico de Argento quando ela, durante uma crise de
sonambulismo, presencia um dos assassinatos, tornando-se a partir daí, alvo do
assassino.
Na gramática de Argento, a entrada no contexto
sinistro de sua trama se dá por meio do que por vezes define o conceito de
cinema (o sonho) e sua permanência nele (a investigação subsequente) ocorre
através do que define a própria filmografia de Argento: A sensação contínua de
que se testemunhou algo vital sem no entanto ter certeza do que foi.
Argento é um realizador cheio de imperfeições:
Ele relega inúmeras de suas participações coadjuvantes à irrelevância (como
Donald Pleasence, Daria Nicolodi e o próprio antagonista da trama) em prol da
atmosfera e das guinadas de ordem dramática; e se mostra negligente até mesmo
com elementos que parece enaltecer (os poderes sobre os insetos da heroína
nunca chegam a ter importância fundamental de fato na narrativa).
Mas, ele compartilha com o expectador uma
fascinação genuína pelas conclusões morais e éticas que obtém através de suas
miscelâneas visuais.
Aqui, ele leva a um extremo
sanguinolento e grosseiro os impulsos corruptíveis do ser humano, para então
deixar que sua protagonista encontre refúgio de tanta sordidez na natureza.
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