A primeira parte de “Dança Com Lobos”, sucedida
na civilização mostra o ‘homem branco’ de maneira desagradável, o lado mais
sujo da humanidade: Capturado em meio aos conflitos da guerra (a de Secessão,
no caso), o registro é de pessoas relapsas, sujas, quase sempre ocasionadas de
um suor incontrolável, cercadas de violência, corrupção e escárnio.
É nesse momento que nos é introduzido seu
protagonista John Dunbar (vivido por aquele que vem a ser também o diretor
estreante do filme, Kevin Costner), um oficial que devido a um ato desesperado
durante o conflito (ele praticamente tenta se matar para que não lhe amputem a
perna) acaba sendo condecorado.
Já nesse prólogo se percebe certo maniqueísmo
de teor romantizado que constitui a narrativa de Costner –e que, não por acaso,
acabou seduzindo os críticos e a Academia de Artes Cinematográficas no início
dos anos 1990 –os ‘homens brancos’ são quase sempre feios, desleixados,
detestáveis e repulsivos, enquanto que os índios nativos, e sua cultura (como
descobriremos mais tarde), são magníficos, exuberantes, altivos e admiráveis.
É com eles, afinal, que Dunbar irá se deparar
quando, ao procurar tranqüilidade, ele recebe um posto avançado em território
hostil, ainda dominado pelas tribos indígenas. Nesse ponto, a obra de Costner
assume outro tom, certamente mais agradável, no qual enfim seu filme se mostra
bonito, paisagístico e, no fundo, ecológico; a vida em meio à natureza começa a
revelar-se como algo nobre, valoroso e admirável.
Pouco a pouco, Dunbar percebe a presença dos
nativos no território onde escolheu isolar-se, e, nos dias que se seguem busca
se comunicar.
A metamorfose do próprio Dunbar enquanto
personagem caracterizado é, ela própria, exemplo perfeito da postura do
diretor: Ele vai deixando a barba mau-cuidada para trás em lugar de um rosto
limpo, ganhando as fotogênicas feições do astro de cinema que Costner é.
Conclui-se, portanto, que com o tempo Dunbar
vai envolver-se com a vasta tribo local onde criará amizades; um dos membros mais
intrigados e fascinados com esse ‘homem branco’ vem a ser Pássaro Esperneante,
interpretado com dignidade e excelência por Graham Greene.
Esse maniqueísmo de que falei acima é um
recurso usado por Hollywood mais notadamente em histórias de amor (e “Dança Com
Lobos” é, sob muitos aspectos, uma história de amor) e, a despeito dos vastos
argumentos prós e contra essa postura dramática, Costner construiu com eles um
filme sedutor: Não chega e ser surpresa, então, quando o roteiro revela
–naquela que, talvez, seja sua manobra mais reprovável –que entre os índios há
também (veja só!), uma mulher branca (a formidável Mary McDonnell) que havia
sido por eles adotada quando era pequena e teve a família chacinada: Personagem feita sob
medida, portanto (como só o cinema de ficção é capaz de fazer), para que o
protagonista tenha um par romântico propício para a satisfação da platéia.
Costner também salienta os aspectos dramáticos:
Há elementos de sobra a se interpor entre o personagem principal e sua busca
por paz e tranqüilidade e, sobretudo, ele enfatiza o inevitável temor de
Dunbar, de que “Os homens brancos estão chegando!”, como forma de ratificar seu
lamento por uma civilização varrida da terra que era sua por direito –ainda que
esse lamento soe, em seu filme, como um pouco de auto-promoção.
“Dança Com Lobos”
conquistou incríveis 7 Oscars na cerimônia de 1990, um feito e tanto para o
filme de estréia de um diretor, e mais ainda se pensarmos que havia pelo menos
uma obra francamente superior à ele no páreo –o magistral “Os BonsCompanheiros”, de Martin Scorsese –entretanto, o faroeste de Costner, com sua
narrativa à moda antiga e suas belíssimas imagens, certamente foi muito mais ao
encontro do tradicionalismo da Academia: Hollywood, em seu pacifismo dúbio, é
bem provável, se identificou com a postura tendenciosa do filme de Costner,
numa tentativa de se retratar com os índios.
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