Parte do movimento que se habituou chamar
nouvelle vague japonesa, o filme de Masahiro Shinoda lançado em 1964 é um
afiado conto de observação moral.
Ciscando num terreno hoje relacionado com mais
frequência à Seijun Suzuki –o dos registros urbanos, proporcionais em ternura e
acidez, que unem as tendências comerciais do gênero à uma sutil e inteligente
transgressão artística –ele começa quando Muraki (Ryo Ikebe) sai da cadeia após
três anos encarcerado.
A narrativa de Shinoda se ocupa assim de sua
adaptação ao mundo que deixou: Sua amante, carente e problemática, arranjou
outros homens em sua ausência, no entanto, continua carente e problemática (e
ao cercá-la de relógios ruidosos em sua primeira aparição, o diretor evidencia
certo viés obsessivo que a personagem vai escancarar mais tarde); e a gangue
yakuza –em nome da qual ele cometeu o crime pelo qual foi preso –agora elabora
uma trégua com a mesma gangue que Muraki outrora afrontou, o que faz dele uma
presença constrangedora.
Nesse ambiente tão lúgubre e ameaçador quanto a
cadeia de onde saiu (e ainda mais dúbio por agregar outros relacionamentos
pessoais), Muraki irá conhecer Saeko (a bela Mariko Kaga), jovem enigmática que
ele encontra em meio aos apostadores de jogos. Desde o início fica claro –e assim
Shinoda faz questão de filmar –que Saeko é um corpo estranho ali: Os seus
contornos delicados de mulher são evidenciados no cenário onde predomina uma
masculinidade monótona.
Se Muraki procura, incerto, reencontrar seu
lugar nesse mundo que parece ter se adaptado justamente à falta de sua
presença, Saeko insiste em adentrar nele, invadi-lo e inteirar-se de suas
regras, barrada por sua inadequação, mas impelida por um vício irresistível
pela jogatina. São, pois, duas almas perdidas que se atraem.
Mais até do que atração física, Shinoda
vislumbra o fascínio que seus isolamentos existenciais provocam um no outro
(ele, dilacerado por descobrir-se uma engrenagem removida de seu propósito
junto à máquina; ela, um ser intruso, ávida não só por aprender os códigos do
submundo, mas por burlá-los), ainda que, no final, Saeko se mantenha um
mistério para Muraki –no que ele enxerga paradoxalmente a razão para dela se
afeiçoar.
Apesar disso, o diretor não
demora a se dar conta do quanto aprecia enquadrar os belos rostos desse casal
protagonista.
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