sábado, 20 de maio de 2017

Trilogia Antes do Amanhecer

Antes do Amanhecer
Ao longo de sua filmografia, uma das aspirações do diretor Richard Linklatter era apreender em uma narrativa que unisse o lirismo e o intimismo a passagem do tempo, e todos os seus desdobramentos dramáticos.
Uma de suas primeiras experiências nesse sentido é o interessante “Slacker”, de 1991, enquanto que a consagração, e possível ápice do formato que ele lograva pode talvez ter sido encontrada com “Boyhood-Da Infância À Juventude”, lançado em 2015, mas rodado ao longo de 12 anos.
Entre esses dois projetos, Linklatter realizou esta singela –e talvez por isso mesmo genial –trilogia, colocando em prática essa sua percepção do tempo e das mudanças que sua passagem opera nos sentimentos, nas relações e na maturidade com a qual enxergamos nossos vínculos. Cada filme desta trilogia, centrada única e exclusivamente no casal Jesse (Ethan Hawke, assíduo na obra do diretor) e Celine (a graciosa francesa Julie Delpy), se passa com nove anos de intervalo (real!) entre um e outro.
Os atores envelhecem. Seus personagens envelhecem. E, mais importante de tudo, o público também envelhece –embora, sem dúvida, seja possível algum expectador de primeira viagem assistir a todos os filmes pela primeira vez em uma oportunidade só –dando um novo viés à relação que se estabelece entre a história contada na tela e a empatia emocional de quem a assiste.
Neste primeiro, datado de 1993, os dois jovens se encontram numa noite em Veneza e, durante o tempo que passam juntos se apaixonam, compartilham planos de suas vidas futuras. Enfim, vivem um amor fugaz, instantâneo e inconseqüente, mas puro e verdadeiro. Quando amanhece o dia, eles prometem se reencontrar, mas num ímpeto inocente nem sequer trocam telefones.
Um singelo romance sobre a casualidade de relações surgidas ao acaso, e de como o amor encontra meios de se expressar no mundo real, construído com enorme perícia e sensibilidade por Linklatter que, ao lado do magnífico e jovem casal central, criou um dos mais apreciados filmes dos anos 1990.

Antes do Pôr-Do-Sol
A continuação de "Antes do Amanhecer", passada nove anos depois do filme original –e, portanto, lançada em 2002 –pegou muita gente de surpresa: Ninguém imaginava que Linklatter realizaria uma seqüência para o seu filme tão cultuado. E, talvez, nem o próprio Linklatter imaginasse: A idéia só lhe ocorreu de fato quando ele reuniu-se com os atores Ethan Hawke e Julie Delpy para gravar uma breve cena de sonho, onde esses personagens reapareciam, para a experimental e onírica animação “Waking Life”.
Ainda assim, trazer de volta esses personagens foi a melhor decisão do mundo: “Antes do Pôr-Do-Sol” é, certamente, o melhor filme da trilogia, guardadas as comparações com o extraordinariamente encantador primeiro filme e com a admiravelmente realista terceira parte, que ainda viria.
Desta vez em Paris, o casal do filme anterior, Jesse e Celine, se reencontra tantos anos depois. Suas vidas em muitos aspectos marcadas por aquele rápido momento em Veneza. Ele, agora um escritor promovendo seu livro cuja trama trás muitas semelhanças com o encontro fortuito que tiveram. Ela, residente na França, ex-enfermeira e agora tentando uma vida de artista como cantora. Juntos eles redescobrem o amor que as circunstancias não permitiram que se concretizasse.
Por meio deste segundo filme, Linklatter conseguiu deixar mais claras suas nobres intenções como realizador: O tempo é mostrado então como um elemento narrativamente poderoso, mais do que qualquer artifício de montagem poderia sugerir, e as emoções que se deflagram disso são exploradas em magníficos pormenores. Sua belíssima seqüência dialoga lindamente com os eventos do filme anterior que surgem como lembranças ora divertidas, ora dolorosas, e a química do casal de atores (creditados também como roteiristas) revela-se também algo raro no cinema.
Como se não bastasse, a enxuta e emotiva obra que ele concebe ainda trás um dos finais mais belos, inconclusos, estimulantes e sensacionais do cinema!

Antes da Meia-Noite
Até que os nove anos seguintes passaram rápido! Quando menos se esperava, em 2011, lá estava um novo filme de Jesse e Celine, com Richard Linklatter respondendo as perguntas que ficaram no ar naquele maravilhoso desfecho do filme de 2002.
Entretanto, se a obra de Linklatter tinha por objetivo registrar o tempo, ele também soube respeitá-lo: Cada um dos três filmes captura as impressões de uma relação a partir da fase de vida que seus próprios personagens vivem. E é dessa forma que descobrimos que Jesse e Celine agora vivem juntos.
Formam um casal, desde seu reencontro em Paris (cuja ambientação sugeria –como o segundo filme trata de ratificar –um romantismo típico do próprio cinema francês), e tiveram duas filhinhas gêmeas, com as quais vão passar férias na Grécia (ambientação que, agora, reitera a necessidade de razão presente na vida de um casal que já passou quase uma década ao lado um do outro), junto do filho mais velho de Jessé, fruto de seu casamento anterior.
A relação deles começa a apresentar o desgaste típico provocado pelo tempo, e sua permanência como casal é preenchida por tentativas racionais, porém nem sempre eficazes, de continuarem juntos, e amando um ao outro.
Ao realizar a última parte de sua trilogia romântica (será?), Linklatter fez a primordial escolha de não mais discutir sobre a fugacidade do amor –condição mais cabível aos jovens –mas, analisar então as fissuras cotidianas de uma relação duradoura, transpondo os acontecimentos do romantismo de Veneza e Paris, para a racionalidade da Grécia.

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