quinta-feira, 22 de junho de 2017

O Poderoso Chefão

É de um gesto objetivo tão sucinto e incisivo que Francis Ford Coppola inicia sua obra que até hoje impressiona: Um ator que sequer terá muito peso na narrativa por vir inicia um monólogo imerso em sombras –o fator de real importância ao filme não é aquele que fala, mas o seu ouvinte: Don Vito Corleone, vivido com um repertório primoroso de maneirismos estudados por Marlon Brando.
Está aí, no silêncio contemplativo de Don Vito, a pista de Coppola: Este não é um filme de ação, não é um filme policial, não é nem mesmo um filme de gangster no sentido do quê a platéia está acostumada (pelo menos as platéias dos anos 1970, que receberam estarrecidas este trabalho); “O Poderoso Chefão” é, sim, uma obra composta por sutilezas, debruçada sobre as guinadas emocionais sofridas por uma família, e assim tratada por seu realizador –claro que, sendo Coppola um tremendo admirador da arte de Akira Kurosawa, não falta ao seu trabalho ação, ritmo brilhantemente calculado e seqüências de violência, mas tudo isso serve ao princípio primordial da dramaturgia, da história que se dedica a esmiuçar os personagens.
Há Don Vito, a figura patriarcal que representa uma liderança quase que icônica nos negócios da família, cuja maneira sensata de conduzir suas ligações com o crime organizado já não encontra tanta ressonância nas parcerias que surgem nesses novos tempos; o quê leva Don Vito aos outros dois grandes personagens do filme: Seus filhos, Sonny e Michael.
Sonny (interpretado com som e fúria por James Caan) é o primogênito. Consciente de ser o herdeiro direto, Sonny tem todos os pré-requisitos para preencher a sucessão ao pai: É explosivo, truculento, rígido e implacável, exatamente como os novos tempos pedem.
Michael (na atuação antológica de Al Pacino), o caçula, é o seu perfeito oposto: Ex-combatente de guerra, Michael não deseja mais atribulações para sua vida –e nem o pai deseja para ele –tudo, em seu comportamento, sugere alguém que planeja sossegar para o resto de seus dias.
Mas, a única coisa previsível da vida é que ela é imprevisível: Como numa ópera de ironia poderosamente dramática, será Michael, e não Sonny, quem irá galgar os degraus da Família Corleone em direção ao topo de sua hierarquia.
Nessa trajetória épica desenhada por Coppola, outros personagens essenciais surgirão: Freddo (John Cazale), o irmão do meio, passivo e acanhado; Kay Adams (Diane Keaton), a namorada de Michael com características convulsivas da nova mulher moderna; Connie (Tália Shire, irmã de Coppola), a filha de Don Vito, vítima de um marido violento –no casamento da qual o filme se inicia –e, Tom Haggen (Robert Duvall), dedicado filho adotivo que assume funções secretariais para o pai.
A vida e as atribulações violentas dessa família mudará drasticamente o destino reservado a todos eles.
Embora seja em si uma obra incomum e até revisionista, na comparação com tudo o que veio antes e tudo o que veio depois dele no gênero (incluindo os exemplares que tentaram, em vão, imitá-lo) este magistral trabalho de Francis Ford Coppola é, até hoje, o representante quintessencial do "filme-gangster". Obra-prima.

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