quinta-feira, 22 de junho de 2017

Amor Estranho Amor

Longe de ser um dos mais memoráveis títulos da filmografia de Walter Hugo Khouri, este filme reside ainda na memória popular pelas polêmicas que foram agregadas a ele ao longo dos anos –e que em nada têm a ver com sua realização (daí minha pouca vontade em esmiuçá-las).
A verdade é que “Amor, Estranho Amor” é um apêndice curioso da fase Marcelo, em que Khouri lançou mão de um alter-ego de nome Marcelo, vivido por diferentes atores, mas que refletiam angústias do próprio Khouri conforme as circunstâncias de cada filme se apresentava. Não há, neste filme, um Marcelo, mas há um Hugo, estreitando ainda mais a potencial identificação do autor com o personagem.
Khouri teve essa idéia ao trabalhar com o jovem Marcelo Ribeiro em “Eros-O Deus do Amor”, onde o garoto interpretava uma cena nostálgica em que era seduzido por uma professora.
A idéia era usar o mesmo jovem ator numa trama ainda mais mergulhada no despertar da sexualidade –e do próprio questionamento existencial em contrapondo ao fato de que os meios lascivos para exercer tal sexualidade estariam disponíveis.
O menino Marcelo Ribeiro é, portanto Hugo (e as cenas de sexo entre ele e as mulheres mais velhas do filme até passaram relativamente batidas pela censura na época –o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda não existia), um jovem cuja avó, brevemente registrada como um ser interesseiro, o larga na porta de uma mansão paulistana na década de 1930.
A mansão, logo descobriremos, é um prostíbulo de luxo, e a mãe de Hugo, Ana (Vera Fischer, de uma beleza extraordinária) vem a ser sua mais requisitada acompanhante.
Por sinal, Hugo foi deixado lá num momento delicado: Os preparativos para uma reunião de vários políticos proeminentes da região estão tomando o local, e o anfitrião da festa (o deputado vivido por Tarcísio Meira) é cliente fidedigno de Ana.
Sem saber o que fazer com o filho, Ana busca escondê-lo em diferentes lugares do casarão, onde ele tem breves interlúdios com as outras prostitutas (como Mathilde Mastrangi, que exibe uma nudez avassaladora), e acaba flagrando momentos íntimos da ocupação da mãe –observações de Khouri de ordem psicológica, tão surreais quanto líricas, que sugerem o quê está por vir.
Há também a figura de Tamara, interpretada por Xuxa Meneghel (na época das filmagens, menor de idade, assim como Marcelo Ribeiro), que como as outras, aparece nua e se engraça para o lado do menino –e não renderia um comentário maior não fosse o fato de ser essa a grande polêmica pelo qual o filme passou a ser lembrado.
Existem muitas coisas mais importantes (e muito mais controversas): Ao amanhecer o dia, após uma noite, digamos, tumultuada –e Khouri, em sua avidez não economiza nas cenas orgásticas –é anunciado o golpe de 1937 (o Estado Novo liderado por Getúlio Vargas), selando o destino de muitos daqueles homens da política. Embora seja intrigante e curiosa essa postura histórica de Khouri em relação à ambientação de seu filme, ela não parece interessá-lo (ou ao menos a dedicação que ele dá a esses desdobramentos é absolutamente desleixada), seu foco continua a ser a jornada íntima de Hugo.
É quando surge a cena mais espantosa, perturbadora e paradoxalmente sensual, do filme: Com o novo status quo político se estabelecendo, Ana já tem uma idéia do que fazer com Hugo, e ao afirmar que vai mandá-lo de volta para morar com a avó, o garoto tem uma reação dramática. Numa cena dotada de sutis simbolismos (e mesmo de indicações narrativas dúbias da parte de Khouri, o quê para alguns pode ser um atenuante), Ana conclui que não pode deixá-lo partir sem conceder-lhe algo, e assim, decide seduzi-lo.
Mãe e filho têm então uma cena de sexo pontuada por Khouri de questões freudianas.
A concepção do incesto, por sinal, remete talvez a “O Sopro do Coração”, de Louis Malle, ainda que a obra de Malle tenha um viés biográfico (Malle, quando menino, de fato, esteve numa colônia para tratamento de escarlatina com sua mãe, como mostrado no filme, embora nada tenha acontecido entre eles), e aparentemente, não há elementos tão biográficos assim (pelo menos, em termos factuais) neste trabalho de Khouri.
Ele lançou mão, ao longo de muitos de seus trabalhos, de audácias formais como essa, embora pareça que, aos olhos do grande público, isso tudo passou meio batido.

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