sábado, 1 de julho de 2017

Holocausto Canibal

O público em geral encontra duas maneiras distintas de reagir à “Canibal Holocausto”: Uma delas é aderindo ao filme, abraçando a violência com admiração pela sua execução gráfica e o franco mérito que a produção possui em mostrar-se de uma crueza que beira o realismo em seus aspectos mais horripilantes. A outra, é repudiando-o completamente (gesto, penso, da maior parte do público), não reconhecendo qualquer valor na reconstituição em minúcia das atrocidades que promove.
Dito isso, é impossível ficar indiferente ao trabalho de Ruggero Deodato.
Possivelmente o ápice (embora, muitos não concordem com esse termo) do ‘ciclo canibal’ que dominou a produção de cinema comercial de baixo orçamento na Itália dos anos 1970, quando a realização de muitos filmes pegava carona no apelo da exploitation, o plano de Deodato era conceber o filme de canibal mais ultrajante, assombroso e extremo possível, superando todos os já infames títulos do movimento.
A idéia era a simulação de realidade até as últimas conseqüências: E, para tanto, até mesmo a linguagem do filme tinha uma utilização mais, por assim dizer, sofisticada.
Em Nova York, um pesquisador é despachado para a Amazônia procurar uma equipe dada por desaparecida. O mistério em torno de seu destino, dos mais óbvios (foram mortos pelas tribos canibais), não chega a ser exatamente o cerne da premissa, mas sim o modo como isso se deu, e talvez, as suas razões.
Ao encontrar a tribo, o pesquisador encontra também o material documentado por eles em câmeras, no qual estariam gravados também os acontecimentos que levaram às suas mortes. Após um convulsivo período de relutância –durante o qual a direção aproveita para criar um suspense barato em torno dos fatos –as filmagens são então reveladas; e aí, o filme ensaia um estilo muito parecido com o “found footage”, que virou modismo no cinema de horror a partir dos anos 1990 com “A Bruxa de Blair”: Muitos inclusive apontam, “Holocausto Canibal” como o grande (e talvez injustiçado) precursor dessa técnica, ainda que ela não apareça, neste filme, com todas as características que foram adotadas depois –o filme nunca se restringe às câmeras de mão, por exemplo, usando freqüentemente o intercâmbio das cenas de filme convencional, para esclarecer alguma obscuridade da narrativa.
Mas, nada disso importa.
São as cenas que se multiplicam e se intensificam à medida que o filme caminha para seu terço final, que respondem pela verdadeira e única razão pela qual o filme será lembrado: Ruggero Deodato foi realmente muito além dos limites com sua premissa, e concebeu uma obra que levanta uma talvez involuntária questão acerca da violência explícita no cinema. Impelidos por uma sanha inexplicada de inconseqüência e selvageria (de repente, devido à impunidade com a qual conseguem infligir sofrimento aos nativos), os cinegrafistas –dois homens e uma mulher –praticam atos de violência perturbadora, o quê leva, como conseqüência, a ira dos canibais a cair sobre eles: A mulher é estuprada e morta, e os homens são assassinados (e depois devorados) com requintes cruéis nos detalhes em que isso é registrado. Antes mesmos dessas cenas particularmente assombrosas de sucederem na tela, Ruggero Deodato já adianta esse horror com diversas cenas onde mostra –em tom quase documental –vários animais sendo mortos pelos desbravadores da floresta, quase todos em cenas autênticas, o quê, no que diz respeito à morte dos bichos, transforma a obra de Deodato num verdadeiro “snuff-movie”.

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