sábado, 1 de julho de 2017

A Espinha do Diabo

No cinema de Guilhermo Del Toro algumas regras inerentes aos filmes de terror sofrem uma ligeira alteração –não são, nem de longe, as aparições sobrenaturais e fantasmagóricas, os agentes do mal, muito pelo contrário: O mal na concepção insistente de Del Toro é uma patologia que os seres humanos, os vivos, trazem junto de si.
Não significa, porém, que as aparições em seus trabalhos não assustem: Como bom aficionado do gênero, Del Toro é hábil em compor imagens tétricas, propensas a tirar o máximo de pavor gráfico da morbidez, embora tal elogio caiba mais às categorias de maquiagem e efeitos visuais de seus filmes do que à sua capacidade na direção e no roteiro.
“A Espinha do Diabo” começa e inicia com breves considerações de um personagem morto –o mesmo arremate narrativo pelo qual começa e termina seu mais recente “A Colina Escarlate” –dando uma idéia bastante clara da visão emotiva que ele tem: São os vivos que detonam o sofrimento no mundo, e não os mortos.
A Guerra Civil espanhola devasta o mundo ao redor do pequeno Carlos (Fernando Tielve), de 12 anos, quando este é deixado no orfanato de Santa Lúcia.
Lá, ele deve lidar com a inevitável hostilidade das demais crianças e com algo mais: As aparições do fantasma de um menino, outrora assassinado naquela instituição, desejoso de que seja executada uma vingança contra quem o matou.
São, portanto, os personagens, bons e eventualmente maus, engrenagens por meio das quais a narrativa trabalha uma redenção às avessas –atribuindo certo caráter lúdico a elementos aos quais são reservadas normalmente as facetas unilateralmente macabras.
A ratificar tal pensamento, recorrente de Del Toro, suas obras mais poderosamente ilustrativas vêem a ser as duas produções que compõem uma ainda inacabada “Trilogia da Guerra Civil” –que, além deste filme, conta também com o aclamado “Labirinto do Fauno”.
Em comum, além da ambientação histórica, os dois trabalhos mostram crianças às voltas com a tragédia, com a orfandade (iminente ou consumada) e com elementos fantásticos que, se em princípio, parecem ser o manancial de seu temor, logo, se revelam recursos inesperados na tentativa de se desvencilhar do perigo de fato: O mundo adulto que insistirá em tragá-los.

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