Movimento. Um dos elementos mais inerentes ao
cinema, desde sua criação, era também um dos paradigmas em torno do qual as
cenas concebidas pelo mestre Akira Kurosawa trabalhavam.
É natural que seja, portanto, o movimento um
dos aspectos manipulados por Martin Scorsese nesta espécie de homenagem que ele
faz ao mestre e ao seu estilo com esta obra onde ele leva seus protagonistas ao
Japão.
Mas, “Silêncio” é, também ele, um filme de
Scorsese: Em seu cerne estão as mesmas dúvidas de ordem prática e existencial
acerca do quê o catolicismo é, e qual a real aplicação de seus valores em nosso
mundo que ele levou à condição do Messias em “A Última Tentação de Cristo”,
assim como também vemos a própria concepção de fé sob o prisma de uma
gigantesca distinção cultural, como ele havia feito antes em “Kundun”.
Em meados do Século 17, na vã tentativa de
levar o catolicismo ao Japão, o padre jesuíta português Ferreira (Liam Neeson,
que Scorsese gosta de empregar em papéis breves, mas emblemáticos para a
narrativa, como o pai do personagem de Leonardo Dicaprio em “Gangs de Nova York”)
é dado como desaparecido. Os rumores que chegam até a Europa dão conta de que,
por alguma razão, ele renunciou à Igreja Católica.
Dispostos a esclarecer o quê supõem ser uma calúnia
e à continuar o trabalho de Ferreira de onde parou, os jovens padres Rodrigues
(Andrew Garfield, caracterizado com barba e cabelo comprido, como uma alusão
direta à Jesus) e Garupe (Adam Driver) partem para lá, e encaram a árdua e
clandestina tarefa de levar a palavra de Deus à um lugar onde a ordem vigente é
extirpá-la como uma ideologia rejeitada.
A narração em off de Andrew Garfield que
permeia grande parte dessa primeira metade do filme vem carregada de angústia e
desolação genuínas diante da constatação do quão rarefeito é aquele ambiente
para que a crença que lhes têm a oferecer seja disseminada; e esses momentos
fazem, por vezes, lembrar os monólogos de natureza metafísica que Jean Luc
Godard colocou em muitos momentos de “Je Vous Salue, Marie”.
Rodrigues e Garupe buscam confortar, com sua mera
presença e seus ensinamentos, os poucos seguidores da fé cristã que encontram
nas paupérrimas aldeias japonesas com as quais cruzam, mas, à medida que
avançam para outros territórios, aproximam-se também da forte repressão ao
catolicismo praticada pelo inquisidor Inoue-Sama (o grande Issey Ogata,
compondo com propriedade um personagem inesperado para as expectativas que a
narrativa faz dele).
Os algozes parecem ser, em princípio, os
agentes da provação que o próprio Rodrigues espera para si, mas em vez disso,
eles trazem –junto com a inesperada presença de Ferreira –um dilema: Até que
ponto reafirmar sua fé e seus valores humanistas se torna algo de fato digno se
isso leva ao sofrimento de outras pessoas?
Com três horas pesarosas e dilacerantes de
duração, Scorsese elabora um intrigante, diferenciado e válido discurso acerca dos
desdobramentos imprevistos da intolerância e das necessidades realmente práticas
(em termos de conduta e benevolência) da religião.
Seu filme não busca,
portanto, mover uma crítica muito menos despertar um sentimento de indignação
pelo fator sanguinário de um episódio histórico, mas sim elucidar a dificuldade
de entendimento –e nela procurar uma resposta –que leva os seres humanos a
antagonizar uns aos outros: Na autêntica tristeza que gera com seu trabalho,
Scorsese quer paz e não guerra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário