segunda-feira, 10 de julho de 2017

Silêncio

Movimento. Um dos elementos mais inerentes ao cinema, desde sua criação, era também um dos paradigmas em torno do qual as cenas concebidas pelo mestre Akira Kurosawa trabalhavam.
É natural que seja, portanto, o movimento um dos aspectos manipulados por Martin Scorsese nesta espécie de homenagem que ele faz ao mestre e ao seu estilo com esta obra onde ele leva seus protagonistas ao Japão.
Mas, “Silêncio” é, também ele, um filme de Scorsese: Em seu cerne estão as mesmas dúvidas de ordem prática e existencial acerca do quê o catolicismo é, e qual a real aplicação de seus valores em nosso mundo que ele levou à condição do Messias em “A Última Tentação de Cristo”, assim como também vemos a própria concepção de fé sob o prisma de uma gigantesca distinção cultural, como ele havia feito antes em “Kundun”.
Em meados do Século 17, na vã tentativa de levar o catolicismo ao Japão, o padre jesuíta português Ferreira (Liam Neeson, que Scorsese gosta de empregar em papéis breves, mas emblemáticos para a narrativa, como o pai do personagem de Leonardo Dicaprio em “Gangs de Nova York”) é dado como desaparecido. Os rumores que chegam até a Europa dão conta de que, por alguma razão, ele renunciou à Igreja Católica.
Dispostos a esclarecer o quê supõem ser uma calúnia e à continuar o trabalho de Ferreira de onde parou, os jovens padres Rodrigues (Andrew Garfield, caracterizado com barba e cabelo comprido, como uma alusão direta à Jesus) e Garupe (Adam Driver) partem para lá, e encaram a árdua e clandestina tarefa de levar a palavra de Deus à um lugar onde a ordem vigente é extirpá-la como uma ideologia rejeitada.
A narração em off de Andrew Garfield que permeia grande parte dessa primeira metade do filme vem carregada de angústia e desolação genuínas diante da constatação do quão rarefeito é aquele ambiente para que a crença que lhes têm a oferecer seja disseminada; e esses momentos fazem, por vezes, lembrar os monólogos de natureza metafísica que Jean Luc Godard colocou em muitos momentos de “Je Vous Salue, Marie”.
Rodrigues e Garupe buscam confortar, com sua mera presença e seus ensinamentos, os poucos seguidores da fé cristã que encontram nas paupérrimas aldeias japonesas com as quais cruzam, mas, à medida que avançam para outros territórios, aproximam-se também da forte repressão ao catolicismo praticada pelo inquisidor Inoue-Sama (o grande Issey Ogata, compondo com propriedade um personagem inesperado para as expectativas que a narrativa faz dele).
Os algozes parecem ser, em princípio, os agentes da provação que o próprio Rodrigues espera para si, mas em vez disso, eles trazem –junto com a inesperada presença de Ferreira –um dilema: Até que ponto reafirmar sua fé e seus valores humanistas se torna algo de fato digno se isso leva ao sofrimento de outras pessoas?
Com três horas pesarosas e dilacerantes de duração, Scorsese elabora um intrigante, diferenciado e válido discurso acerca dos desdobramentos imprevistos da intolerância e das necessidades realmente práticas (em termos de conduta e benevolência) da religião.
Seu filme não busca, portanto, mover uma crítica muito menos despertar um sentimento de indignação pelo fator sanguinário de um episódio histórico, mas sim elucidar a dificuldade de entendimento –e nela procurar uma resposta –que leva os seres humanos a antagonizar uns aos outros: Na autêntica tristeza que gera com seu trabalho, Scorsese quer paz e não guerra.

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