segunda-feira, 10 de julho de 2017

A Revolta do Amor

É curioso notar o quanto a obra de Andrzej Zulawski versa sobre o amor –ou, em última instância, sobre o afeto –não com escancarado romantismo como o faz Wong Kar Way, mas com singular atenção às características insanas, viciosas, corruptíveis e lancinantes que esse sentimento desperta.
Era o amor, afinal de contas, o cerne para todo o pesadelo de transformação, de término e recomeço, mostrado em “Possessão”.
O amor volta novamente a ser o centro das questões em “L’amour Braque”, dirigido por Zulawski de modo tão febril e alucinante quantos os outros que realizou, onde seu estilo, posto em prática com tal convicção, corre, em diversos momentos, o risco de soar como desleixo.
É o amor que Mickey (Tchéky Karyo) sente por Mary (Sophie Marceau, belíssima e totalmente entregue aos desequilíbrios de Zulawski).
Em sua condição de contador de histórias impregnado de sarcasmo, Zulawski faz deles dois, exemplos de um clichê plenamente cinematográfico: O casal jovem seduzido pelo crime tanto quanto são seduzidos um pelo outro.
Mas, no ponto em que Zulawski inicia seu trajeto tortuoso, Mickey está ainda à procura de Mary. Ele assaltou um banco (numa seqüência tipicamente desconcertante, tamanha é sua estranheza) e, beneficiado pelos ganhos desse crime, viaja para Paris em busca dela, tirada dele pelos Irmãos Venin (Alain Flick e Bernard Freyd).
No caminho, Mickey conhece Leon (Francis Huster) que vira uma espécie de capanga, aliado e amigo, assim como também vira, quando por fim, encontram Mary, seu rival –já que termina por ela também se apaixonando.
A partir daí, é Leon quem assume algum protagonismo, sendo quem a câmera do diretor passa a acompanhar, registrando os percalços dolorosamente físicos (a lembrar um epiléptico) quando está longe de Mary, e o êxtase desmedido de euforia quando está perto dela.
À essas cenas, somam-se as intervenções de Mickey e sua turma (todos eles histéricos, enlouquecidos e incontroláveis. Os atores, do modo como são dirigidos, parecem forças irreprimíveis da natureza, em constante improvisação, onde destroem partes do cenário e balbuciam monólogos esquizofrênicos), e também de um ou outro membro da família de Leon; com destaque para sua bela prima Aglaé (a ótima Christiane Jean) que alimenta por ele um ligeiro sentimento de posse.
Em algum momento dessa anarquia, Zulawski retoma ocasionalmente o enredo do triângulo amoroso, só para oscilar entre as manifestações de loucura desempenhadas por Mary, Leon e Mickey.
E se as contrapartes são fatores essenciais ao cinema de Zulawski (como o monstro era uma contraparte ao personagem de Sam Neil em “Possesão”), então é de se supor que Leon é uma contraparte de Mickey, na maneira como ambos amam Mary.
A referência que Zulawski toma aqui é das mais salutares: “O Idiota”, de Dostoyevski”. Mas, sua abordagem histérica, e sua visão algo iconoclasta da juventude e de tudo que com ela interage coloca muito a perder: Sobra pouco espaço para a reflexão do público, e para a percepção do quão erudita foram algumas das escolhas formais de Zulawski, quando ele se vê atônito com um encenação tão convulsiva e caótica, onde os atores quase não parecem interpretar, mas sim exprimir uma espécie de descontrole.

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