segunda-feira, 17 de julho de 2017

Titanic

Virou lenda a história de como a perseverança do diretor James Cameron levou à criação de um dos maiores sucessos que o cinema já conheceu.
Essa disposição de Cameron em ir paulatinamente além do que o cinema é capaz de materializar em termos técnicos –e do que os atores são capazes de fazer em termos práticos –já havia aparecido em filmes como “O Segredo do Abismo” (durante o qual surgiu a idéia para “Titanic”) ou “O Exterminador do Futuro 2-O Julgamento Final”, mas nunca havia se expressado com a convicção, e a tenacidade inigualáveis com as quais ele enfrentou neste projeto, as intempéries naturais, a descrença dos produtores, os contratempos eventuais de filmagens (e outros até bem mais singulares) e a própria limitação de seus colaboradores para moldar sua visão: Uma recriação suntuosa, realista e de proposta quase imersiva para a platéia no que tange à utilização de efeitos visuais, do trágico naufrágio do navio Titanic, ocorrido em 14 de abril de 1912 –recriação essa infinitamente mais arrojada e definitiva do que os limitados esforços vistos em filmes antigos, sendo até então o mais célebre o filme “Somente Deus Por Testemunha”.
Ciente do cinema de natureza clássica que estava abordando –diferente de seus outros trabalhos, mais voltados para ação e ficção científica –Cameron emoldurou os acontecimentos reais com uma trama fictícia, de sua autoria. Dessa forma somos apresentados, no início (que se passa em tempos atuais) à idosa Rose (a ótima Gloria Stuart), uma senhora nonagenária que apresenta-se à equipe de pesquisadores oceanógrafos de Brock Lovett (o sempre bom Bill Paxton) como uma das ocupantes do Titanic na trágica noite em que ele naufragou. Disposto a encontrar uma jóia preciosa perdida durante o naufrágio, Lovett e sua equipe ouvem atentamente quando Rose recorda-se de quando era uma jovem moça (interpretada, desta vez, pela linda e estonteante Kate Winslet) em 1912 e, ao lado do noivo que não amava (Billy Zane, apropriadamente canastrão) e da própria mãe (Frances Fisher) embarcou na fatídica viagem de inauguração do transatlântico Titanic. Durante a viagem, da Inglaterra até o porto de Nova York, ela conhece Jack Dawson um jovem artista pobretão (Leonardo Dicaprio, que deve seu estrelato à este filme) por quem acaba se apaixonando.
Mas, como hoje todo mundo bem sabe, o gigantesco navio colide com um iceberg antes de chegar ao seu destino tornando iminente seu naufrágio, e colocando em sérios perigos as vidas de Rose e Jack, assim como seu amor.
Não restam dúvidas de que os momentos verdadeiramente memoráveis do filme se encontram na segunda e exuberante metade de suas três horas de duração: O naufrágio mostrado em todos os seus detalhes poderosos e atrozes. Cameron vale-se além de tudo de um domínio prodigioso de suspense por meio do qual ele gradativamente intensifica a aflição e o desespero dos passageiros, que aos poucos se dão conta de que estão à beira de uma catástrofe e, no processo, enfileira cenas coletivas estupendas: A disputa cada vez mais desesperadora pelos poucos botes salva-vidas disponíveis; a poética seqüência em que os músicos integrantes de uma banda se recusam a se separar e decidem tocar música até o fim; a inclinação gradual e implacável de todo o navio (o quê corresponde à todo o cenário do filme inteiro!) levando centenas de figurantes a despencar nas águas geladas; o rompimento brutal do casco do Titanic –cena jamais mostrada nas outras reconstituições cinematográficas do naufrágio por ser até então considerada impraticável! –que leva milhares à morte; e a seqüência assombrosa em que o navio se encontra num ângulo de 90 graus, prestes a afundar em definitivo.
Apesar disso, a primeira metade do filme não é uma mera introdução prolongada; ela ilustra muito bem a capacidade de Cameron em construir personagens acima de tudo carismáticos. Prova disso é o sutil e divertido desabrochar da protagonista Rose –mais até do que a evolução de seu romance com Jack –de uma jovem indefesa e amargurada para uma mulher corajosa e convicta. Por conta de todos esses elementos, pode parecer banal hoje, falar a respeito de um filme que –conseqüência do estarrecedor fenômeno popular que se tornou –todo mundo conhece. No entanto, na época de seu lançamento, “Titanic” guardava, de fato, elementos inéditos no cinema hollywoodiano; o emprego que Cameron dava aos efeitos especiais (verdadeiramente assombrosos) era de uma habilidade extraordinária, assim como a forma vigorosa com que ele manipulou todas as facetas logísticas (e, sabe-se, complicadíssimas) dessa imensurável produção e, contra todas as previsões, dela extraiu um filme sólido, detalhado, belíssimo e emocionante –ainda me lembro das multidões saindo do cinema, como num processo quase ritual, em prantos. Essa inquestionável demonstração de competência certamente justificou a vitória de James Cameron na categoria de Melhor Diretor do Oscar 1997, provavelmente o mais merecido de seus prêmios, dentre os 11 que recebeu –igualando assim a hegemonia de uma marca histórica que o épico “Ben-Hur” mantinha há quase quarenta anos.
Por essa e por inúmeras outras razões, um feito técnico e artístico notável, e que dificilmente se repetirá.

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