Virou lenda a história de como a perseverança
do diretor James Cameron levou à criação de um dos maiores sucessos que o
cinema já conheceu.
Essa disposição de Cameron em ir paulatinamente
além do que o cinema é capaz de materializar em termos técnicos –e do que os
atores são capazes de fazer em termos práticos –já havia aparecido em filmes
como “O Segredo do Abismo” (durante o qual surgiu a idéia para “Titanic”) ou “O
Exterminador do Futuro 2-O Julgamento Final”, mas nunca havia se expressado com
a convicção, e a tenacidade inigualáveis com as quais ele enfrentou neste
projeto, as intempéries naturais, a descrença dos produtores, os contratempos
eventuais de filmagens (e outros até bem mais singulares) e a própria limitação
de seus colaboradores para moldar sua visão: Uma recriação suntuosa, realista e
de proposta quase imersiva para a platéia no que tange à utilização de efeitos
visuais, do trágico naufrágio do navio Titanic, ocorrido em 14 de abril de 1912
–recriação essa infinitamente mais arrojada e definitiva do que os limitados
esforços vistos em filmes antigos, sendo até então o mais célebre o filme
“Somente Deus Por Testemunha”.
Ciente do cinema de natureza clássica que
estava abordando –diferente de seus outros trabalhos, mais voltados para ação e
ficção científica –Cameron emoldurou os acontecimentos reais com uma trama
fictícia, de sua autoria. Dessa forma somos apresentados, no início (que se
passa em tempos atuais) à idosa Rose (a ótima Gloria Stuart), uma senhora
nonagenária que apresenta-se à equipe de pesquisadores oceanógrafos de Brock
Lovett (o sempre bom Bill Paxton) como uma das ocupantes do Titanic na trágica
noite em que ele naufragou. Disposto a encontrar uma jóia preciosa perdida
durante o naufrágio, Lovett e sua equipe ouvem atentamente quando Rose recorda-se
de quando era uma jovem moça (interpretada, desta vez, pela linda e estonteante
Kate Winslet) em 1912 e, ao lado do noivo que não amava (Billy Zane, apropriadamente
canastrão) e da própria mãe (Frances Fisher) embarcou na fatídica viagem de
inauguração do transatlântico Titanic. Durante a viagem, da Inglaterra até o
porto de Nova York, ela conhece Jack Dawson um jovem artista pobretão (Leonardo
Dicaprio, que deve seu estrelato à este filme) por quem acaba se apaixonando.
Mas, como hoje todo mundo bem sabe, o
gigantesco navio colide com um iceberg antes de chegar ao seu destino tornando
iminente seu naufrágio, e colocando em sérios perigos as vidas de Rose e Jack, assim como seu amor.
Não restam dúvidas de que os momentos
verdadeiramente memoráveis do filme se encontram na segunda e exuberante
metade de suas três horas de duração: O naufrágio mostrado em todos os seus
detalhes poderosos e atrozes. Cameron vale-se além de tudo de um domínio
prodigioso de suspense por meio do qual ele gradativamente intensifica a
aflição e o desespero dos passageiros, que aos poucos se dão conta de que estão
à beira de uma catástrofe e, no processo, enfileira cenas coletivas estupendas:
A disputa cada vez mais desesperadora pelos poucos botes salva-vidas
disponíveis; a poética seqüência em que os músicos integrantes de uma banda se
recusam a se separar e decidem tocar música até o fim; a inclinação gradual e
implacável de todo o navio (o quê corresponde à todo o cenário do filme
inteiro!) levando centenas de figurantes a despencar nas águas geladas; o
rompimento brutal do casco do Titanic –cena jamais mostrada nas outras
reconstituições cinematográficas do naufrágio por ser até então considerada
impraticável! –que leva milhares à morte; e a seqüência assombrosa em que o
navio se encontra num ângulo de 90 graus, prestes a afundar em definitivo.
Apesar disso, a primeira metade do filme não é
uma mera introdução prolongada; ela ilustra muito bem a capacidade de Cameron
em construir personagens acima de tudo carismáticos. Prova disso é o sutil e
divertido desabrochar da protagonista Rose –mais até do que a evolução de seu
romance com Jack –de uma jovem indefesa e amargurada para uma mulher corajosa e
convicta. Por conta de todos esses elementos, pode parecer banal hoje, falar a
respeito de um filme que –conseqüência do estarrecedor fenômeno popular que se
tornou –todo mundo conhece. No entanto, na época de seu lançamento, “Titanic”
guardava, de fato, elementos inéditos no cinema hollywoodiano; o emprego que
Cameron dava aos efeitos especiais (verdadeiramente assombrosos) era de uma
habilidade extraordinária, assim como a forma vigorosa com que ele manipulou
todas as facetas logísticas (e, sabe-se, complicadíssimas) dessa imensurável
produção e, contra todas as previsões, dela extraiu um filme sólido, detalhado,
belíssimo e emocionante –ainda me lembro das multidões saindo do cinema, como
num processo quase ritual, em prantos. Essa inquestionável demonstração de competência
certamente justificou a vitória de James Cameron na categoria de Melhor Diretor
do Oscar 1997, provavelmente o mais merecido de seus prêmios, dentre os 11 que
recebeu –igualando assim a hegemonia de uma marca histórica que o épico
“Ben-Hur” mantinha há quase quarenta anos.
Por essa e por inúmeras
outras razões, um feito técnico e artístico notável, e que dificilmente se
repetirá.
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