quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O Homem Duplicado

Após dirigir uma série de filmes magistrais (dos quais muitos não tiveram ainda o devido reconhecimento do grande público) como os ótimos “32 de Agosto Na Terra”, “Redemoinho”, “Polytechnique”, “Incêndios” e "Os Suspeitos", o canadense Denis Villeneuve enveredou pela concepção de um filme que se encaixa muito bem no perfil de sua personalíssima filmografia: “O Homem Duplicado” é uma espécie de filme-enigma, fadado a se tornar um objeto de estudo (senão até mesmo de culto) por muitos de seus expectadores.
Tudo começa com Anthonie (o arrojado Jake Gyllenhall), um professor de história tão pacato quanto passivo. Sua rotina resume-se rigorosamente em dar aulas, ir para casa, transar com a namorada, Mary (a francesa Melanie Laurent, sempre linda), e recomeçar tudo de novo no outro dia.
Em um momento banal de laser doméstico, ele descobre, num filme, alguém exatamente igual a ele. Conhecê-lo acaba tornando-se então uma obsessão. Esse alguém, mais tarde, ele descobre, é Adam Bell (uma atuação distinta de Gyllenhall, rica em equivalências contrapostas a sutilezas diferenciadas) um ator, casado, cuja esposa Helen (a bela e fria Sarah Gadon, de inúmeros filmes da fase recente de David Cronenberg) se encontra grávida de seis meses.
Eles não apenas são parecidos, são praticamente duplicatas um do outro, e a descoberta desse detalhe leva ambos a um jogo perturbador de troca de identidades: Adam, na frustração vilipendiosa de sua incapacidade em ascender como ator, quer uma chance de transar com Mary, e disso extrair algo que o faça sentir-se menos medíocre.
Já, Anthonie, na seqüência da reação absolutamente passiva que tem ao plano de seu duplo, vê nessa oportunidade uma chance de aproximação de Helen, em um momento cheio de tensão e expectativa; ela não é tão ingênua quanto se presume, e tem conhecimento deles serem duplicatas.
Não obstante esse fervilhante conto de dúbio significado moral –e a maneira intrigante e inquietante com que Villeneuve o narra –há, no filme, uma pontuação de cenas, desde o início, que entregam indícios que podem estar fora da cronologia (ou em sonhos) e que mostram cenas que remetem à seres aracnídeos (sempre eles relacionados à personagem de Sarah). Tais cenas culminam na imagem final, um instante tão absurdamente surreal que chega a provocar uma ligeira interjeição de surpresa no expectador –para descobrir, no instante seguinte, que o diretor acabou o filme ali e aquela é, portanto, sua cena final.

Villeneuve adapta a obra de José Saramago preservando suas características desafiadoras (até mesmo acrescentando algumas camadas novas) e embutindo em sua narrativa observações alegóricas carregadas de significado que, após esse enigmático final, podem oferecer alguma elucidação para a misteriosa forma com a qual se encerra.

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