quarta-feira, 22 de novembro de 2017

O Príncipe das Marés

“Eu me espanto com o encanto, das marés do meu recanto...”
Barbra Streisand, como diretora, nunca inspirou muita confiança. Seu egocentrismo artístico e seu narcisismo notório levavam a fazer dela –que sempre estrelava os próprios filmes –o centro obrigatório de todas as atenções. O trabalho no qual ela chegou mais perto de conter tais ímpetos foi sem dúvidas o premiado “O Príncipe das Marés”.
Durante um tempo considerável de filme, ela é bem sucedida em nos convencer de que todos os colaboradores à frente e atrás das câmeras terão suas oportunidades burocraticamente administradas para brilharem com justiça equivalente.
O protagonista do filme é Nick Nolte, naquela que é uma de suas mais elogiadas atuações –e não é à toa: No papel de Tom, um treinador de futebol americano com uma perturbadora história familiar para contar, Nolte é passional, explosivo, vulnerável e magnífico (ele só perdeu o Oscar de Melhor Ator porque naquele ano de 1991 concorria com o inigualável trabalho de Anthony Hopkins por “O Silêncio dos Inocentes”).
Tom tem lá seus próprios problemas: Seu casamento com Sally (Blythe Danner, mãe de Gwyneth Paltrow) está em crise devido à uma confissão de traição dela. Nessas condições –em que avalia o quão de felicidade conquistou em sua própria vida afetiva –ele precisa ir à Nova York onde sua irmã mais jovem, Savannah (Melinda Dillon) tentou mais uma vez suicídio.
Segundo Suzan, sua psiquiatra (vivida pela própria Barbra Streisand), Savannah estava em meio ao processo de tratamento através do qual chegariam ao âmago e às razões de suas instabilidades emocionais. Durante o período em que ficará na casa da irmã, aguardando a melhora de sua condição, Tom poderá assim relatar, nas sessões com Suzan, como foi a traumática infância dela (e, por conseqüência, a dele também) na Carolina do Sul.
Nesse ponto, “O Príncipe das Marés” engata um ritmo de tom quase bergmaniano, quando os relatos de Tom –na voz grave e hipnótica de Nolte –revelam as complicadas circunstâncias de sua família: Os dois eram os filhos mais novos, dentre os três, de um casal, Henry (Brad Sullivan), um pescador bronco, alcoólatra e rude, e Lila (Kate Nelligan, indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante), uma dona de casa inepta e fútil que, apesar da condição precária e periclitante de seu lar, almejava uma vida melhor, nem que fosse longe de seus filhos e seu marido.
A narrativa de Streisand, numa condução serena que ludibria o expectador, vai descortinando assim uma trama de ressentimentos poderosos, frustrações e rancores atrozes, culminando já próximo do final em uma seqüência bastante indicativa da firmeza e da coragem em abraçar um projeto de tão contundente dramaturgia.
Existem duas facetas em “O Príncipe das Marés”, e essa responde por todas as razões pelas quais ele é lembrado como um grande filme. Mas, há um outro lado...
Paralelamente, enquanto vamos tomando conhecimento da terrível história de vida de Tom e de seus irmãos, ele e Suzan, ao longo da inevitável aproximação ocasionada pelas sessões onde ele substitui a irmã, vão construindo uma espécie de vínculo propiciado pelo fato do casamento dele estar em frangalhos, e o dela –com um renomado violinista vivido pelo ator holandês Jerome Krabbé, de vários trabalhos da fase holandesa de Paul Verhoeven –não se encontrar em situação muito melhor. Resultado: Tom e Suzan têm um caso. E o filme acaba assim infectado com todos os maneirismos banais de um romance genérico (com direito à beijo apaixonado diante da lareira e tudo) onde a diretora Streisand pode explorar à vontade sua predisposição em enaltecer os atributos artísticos da atriz Streisand!
A diretora, pelo menos, consegue chegar a um final digno, coerente e poderoso deixando de lado qualquer concessão ao romantismo e tornando “O Príncipe das Marés” uma obra dotada da insuspeita capacidade de crescer –e muito –na memória.
A despeito de seus méritos psicanalíticos (os quais o roteiro escrito por Stephen Goldblatt, Pat Conroy, Becky Johnston e Ruth Morley de fato tem), o filme se sustenta pela brilhante contundência de seu relato familiar e pela inquestionável excelência de todo o seu elenco em contraponto aos seus eventuais lapsos de drama romântico.

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