A frase que abre o filme, extraída do Bushido,
o livro dos samurais, já tem por objetivo definir o personagem: “Não há solidão
maior que a do samurai, exceto, talvez, a do tigre em sua selva.”
De fato, o filme de Jean Pierre Melville
insiste em capturar seu protagonista em sua densa solidão, ostentando um
semblante taciturno e imponente a exemplo dos guerreiros japoneses dos filmes
do mestre Akira Kurosawa.
Como um samurai, Jef Costello (Alain Delon, em
impetuosa compenetração) é um profissional metódico. Dentro de seu ofício (ao
que parece, assassino de aluguel), ele segue um código rígido e pessoal de
honra. Solitário, como um tigre na selva, ele tem conhecimento de cada meandro
da cosmopolita Paris em que o diretor ambienta sua jornada.
Absolutamente inclinado à postura de seu
personagem, o diretor envolve todo o longo trecho de abertura na primazia do
silêncio –mesmo quando os diálogos enfim aflorarem na trama, Costello
permanecerá calado a maior parte do tempo.
As primeiras falas acontecem quando o filme já
conta seus quinze minutos. Até lá, Melville introduz seu protagonista
inabalável ao público: Ele acorda em seu árido apartamento, na exclusiva
companhia de um canário (que curiosamente será fundamental, mais a frente, para
o desenlace de uma situação do protagonista). Rouba um carro. Aparenta seguir
um itinerário específico para um plano ainda nebuloso.
Logo não será: Ao entrar num clube noturno,
Costello alveja de tiros um homem desconhecido; esta é sua encomenda.
A fuga das investigações policiais que se
seguem imediatamente ao homicídio ocupa o filme a partir daí até quase a sua
metade: Melville mostra o quanto Costello ponderou e antecipou as ações da
polícia montando um álibi plausível. Ainda assim, ele não escapa da suspeita
puramente intuitiva de um chefe de polícia (François Périer) que não irá medir
escrúpulos para tentar capturá-lo. Ao mesmo tempo em que tenta se
desvencilhar desse perseguidor –trecho no qual Melville emprega os mais
sensacionais artifícios dos filmes de suspense e espionagem –Costello também
tem de lidar com um fator inesperado: A traição dos próprios contratadores que
encomendaram o serviço e que agora, por razões misteriosas, o querem morto.
Pairando pelas cenas com uma sutileza
magnética, o protagonista segue de seqüência em seqüência, de contratempo em
contratempo, singrando com experiência e profissionalismo o caudaloso
território de crime que representa ser aquele submundo.
Eis aí a grande sacada de
Jean Pierre Melville: Compartilhar com a platéia um sentimento genuíno de
admiração e fascínio por aquele personagem imerso num mundo regido por seus
próprios códigos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário