O cinema já havia realizado algumas adaptações
da célebre peça em versos “Cyrano de Bergerac”, de Edmond de Rostand, incluindo
o clássico “Cyrano”, de 1950, com José Ferrer, e até mesmo o simpático e
despretensioso “Roxanne”, com Steve Martin e Daryl Hannah –uma versão
norte-americana e bastante graciosa –mas, em 1990, o diretor francês Jean-Paul
Rappeneau obteve aquela que deve ser a versão definitiva do romance com uma
série de escolhas determinantes, como os valores hiperlativos de produção a que
o cinema francês –já uma indústria –era capaz de obter (o filme levou o Oscar
de Melhor Figurino), sendo que a maior e mais ostensiva delas é ter o francês
Gerard Depardieu, um ator que muito provavelmente nasceu para tal papel:
Narigudo, assim como o personagem (embora, também tenha usado uma prótese para
aumentar ainda mais o tamanho do nariz), Depardieu ainda comparece com sua
presença exuberante de cena, seu espalhafato dramático e seu vigor festivo,
agregando ao personagem todas as características que ele de fato precisa –tão
magistral é sua concepção que ele engole todos os demais atores e atrizes à sua
volta.
Deveras, não é diferente com o próprio
personagem: Figura proeminente na cidade onde serve como líder da guarda de
espadachins, o também poeta Cyrano é admirado entre seus pares por sua bravura
em combate e por sua verve passional nos embates verbais de qualquer natureza.
Mas, Cyrano se ressente do nariz gigantesco com
o qual nasceu –e ai daquele que pronunciar qualquer gracinha a esse respeito!
Cyrano tem, portanto, a consciência do quão
improvável é sua união com a mulher que ama, a doce Roxana (Anne Brochet). Mas,
ela não ama ele, isso Cyrano sabe. O que ele ainda não sabe é que Roxana tem lá
seu interesse no novo cadete, Christian (Vincent Pérez, que perde de lavada
para o magnífico Depardieu), jovem e bonito –tudo aquilo que Cyrano não é.
Disposto a fazer ela ser feliz –mesmo que
assumindo um papel secundário nesse processo –Cyrano se incumbe de preparar a
corte para Roxana, inclusive elaborando poemas e juras de amor que arrebatam o
coração de Roxana pela sensibilidade da autoria, mas que acabam reconhecidas
por ela como sendo escritos por Christian. Comovida pelo amor expresso naquelas
palavras, ela se apaixona por ele e o reverencia nos anos seguintes, ignorante
do que fato de que é o apaixonado Cyrano, e não o seu eleito, quem é o real
autor de declarações românticas de tal profundidade.
O expectador desavisado e que encarar esta obra
esperando alguma galhofa e ironia, sobretudo, baseado no aspecto engraçado de
seu narigudo protagonista, irá se surpreender com a dramaticidade contundente e
a predisposição para o trágico que pontuam a narrativa especialmente em seu
terço final.
Um filme romântico no
sentido literário dado ao termo, “Cyrano de Bergerac” conduz seus personagens e
o expectador através de algumas das mais dolorosas ironias acerca do amor.
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