terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Olhos da Justiça

Quem viu “O Segredo dos Seus Olhos” já podia pressupor que a sua refilmagem norte-americana dificilmente igualaria o trabalho magnífico realizado pelo diretor Juan José Campanella –o cinema argentino de um modo geral está mesmo em um patamar artístico que poucas escolas do mundo conseguem rivalizar.
E olha que esta nova versão, estréia como diretor do roteirista Billy Ray (de “Jogos Vorazes”), fez o que pode para emanar um brilho próprio: Chamaram para protagonizá-la o ótimo Chiwetel Ejiofor, de “12 Anos de Escravidão” e ainda reuniram no mesmo elenco, as estrelas Nicole Kidman e Julia Roberts –cuja reunião em cena termina sendo o maior atrativo para este filme.
A trama também ganhou novas nuances que aprofundam ainda mais o envolvimento pessoal dos protagonistas e agregam de maneira inteligente os desdobramentos da história ao contexto norte-americano pós-11 de setembro.
O protagonista é Ray (Chiwetel Ejiofor, sempre ótimo ainda que incapaz de igualar o magnífico Ricardo Darin), um ex-agente do FBI cujo retorno ao convívio dos antigos colegas de profissão traz junto as pesarosas lembranças de uma investigação transcorrida há treze anos atrás (e, sendo o filme datado de 2015, esses treze anos ambientam sua trama logo após os traumáticos desdobramentos sócio-políticos do atentado às Torres Gêmeas) e que afetaram a todos: O terrível estupro e assassinato da filha de sua parceira Jess (Julia Roberts, vivendo uma personagem que não existia no filme argentino que pode ser vista como uma junção específica de alguns daqueles personagens).
Tornado pessoal por essas questões de parentesco, o caso não se mostrou complicado em sua elucidação –logo ficou claro quem foi o assassino –mas sim em sua conclusão circunstancial: O assassino se viu impune às conseqüências do crime que perpetrou justamente por ser um importante informante na tentativa de identificar uma célula terrorista em atividade.
Como em “O Segredo dos Seus Olhos”, este novo filme se dedica a avaliar as transfigurações amargas que uma tragédia inominável e suas corrosivas ramificações operaram nos relacionamentos; inclusive o amor não declarado entre Ray e a procuradora Claire (Nicole Kidman) que, ao lado dos dois detetives, lutou até o fim pela condenação do culpado.
A maneira com que o filme de Billy Ray procurou recriar o filme original –e dele, na medida do possível se distanciar –não alcança aquele mesmo padrão de perfeição por uma série de motivos contundentes: Porque o diretor não tem a mesma desenvoltura que Juan José Campanella para orquestrar as facetas distintas deste trabalho –e na falta delas o filme se empobrece. Porque as motivações –sobretudo, no que tange ao final inesperado –não estão tão bem elaboradas e especificadas quanto na obra argentina. E porque o cinema norte-americano, em sua postura displicente (especialmente em filmes comerciais), e na tentativa constante de seus realizadores em encontrar uma expressão relevante à sua dramaturgia não consegue igualar a percepção afiada e certeira que o primoroso cinema argentino leva à condição humana em obras escritas, dirigidas e interpretadas com riqueza primordial.

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