Na segunda metade da década de 1980, Xuxa
Meneghel já havia conquistado um sucesso arrebatador como apresentadora de um
programa infantil. A exemplo dos Trapalhões, uma incursão no cinema era uma
etapa natural, e assim foi lançado, em 1988, “Super Xuxa Contra Baixo Astral”,
dirigido por Anna Penido (embora esse detalhe não signifique muita coisa).
Criticar o filme e apontar suas deficiências
neste caso é quase como chutar cachorro morto, entretanto, é notável como
alguns exemplares irrisórios de filmes oitentista –mesmo os mais obscuros como
este –adquiriram, com o tempo, um status cult. Há algo de muito desigual na
forma como este filme registra, de maneira praticamente involuntária, uma
linguagem, um estilo de se fazer cinema, e um senso de observação das
idiossincrasias de toda uma época que tornam esta produção algo que jamais
seria feito nos dias de hoje –e por isso mesmo razão de tão curiosa
contemplação.
Diferente do que ocorre em outros filmes que
estrelou, aqui, Xuxa interpreta uma personagem que é ela própria, ou mais
necessariamente a persona que ela criou para seu público infantil, uma espécie
de representante espiritual das boas ações e da felicidade contagiante, ou algo
assim...
No início do filme, emoldurada por cenas de um
merchandising esmagador, ela conduz um grupo de crianças para pintar as cores
do arco-íris em muros que foram alvos de pichação pela cidade. Esse gesto
altruísta desperta a ira de um ser maligno, morador do submundo –ou algo
sugerido como um submundo –o vilanesco Baixo Astral (interpretado com
descontração e empenho caricato pelo saudoso Guilherme Karan).
Ele envia seus lacaios para raptar o cachorro
dela, Xuxo (na realidade, um fantoche) e o arrasta para dentro da TV (!),
obrigando-a a ir atrás dele, numa jornada por um mundo fantástico e tortuoso.
Essa premissa é tão descaradamente baseada no clássico oitentista “Labirinto-AMagia do Tempo”, com Jennifer Connelly e David Bowie, que sequer há muita
preocupação em disfarçar: Sobretudo, na cena em que Xuxa encontra um muro sem
portas (decalcada diretamente daquele filme) e é auxiliada por uma pequena
lagarta –exatamente o mesmo acontece com a personagem de Jennifer Connelly!
São os pequenos detalhes, contudo, que revelam
no filme uma desapercebida verve politicamente incorreta típica de sua época
que fazem uma certa diversão: A caracterização de Baixo Astral é tremendamente
amedrontadora para as crianças (sobretudo as de hoje em dia); por outro lado,
Xuxa é inverossímil de tão boa e afetuosa, ainda que o público infantil não
note o forte apelo sensual que ela tem, trajada naqueles calções sumárias
(aliás, a jaqueta que ela usa no filme é inspirada no figurino de Michael
Jackson no filme “Captain EO”); Xuxo é um personagem irritante, lamurioso
(apontado, em algumas resenhas, até como homossexual!), faz amizade com suas
próprias pulgas (também fantoches) e, no final, ainda mija no pé de Baixo
Astral (!) a fim de distraí-lo; um dos comparsas do vilão, num momento em que
corta salsichas para uma receita, acaba se distraindo e (numa seqüência criada
com propósitos cômicos) acaba mutilando o próprio dedo (!), e isso é mostrado
em cena; sem qualquer sutileza, o maniqueísmo impera na produção mostrando tudo
o quê é mal caracterizado como sujo, escuro, metálico e monocromático, enquanto
o quê é bom surge como colorido, luminoso e quase sempre delicado (e afetado!).
Está longe, muito longe de
ser um filme bom –não tenha dúvidas –mas não é um filme que inspira
indiferença; e é esse detalhe que acaba definindo se um filme é, afinal, ruim.
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