quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Super Xuxa Contra Baixo Astral

Na segunda metade da década de 1980, Xuxa Meneghel já havia conquistado um sucesso arrebatador como apresentadora de um programa infantil. A exemplo dos Trapalhões, uma incursão no cinema era uma etapa natural, e assim foi lançado, em 1988, “Super Xuxa Contra Baixo Astral”, dirigido por Anna Penido (embora esse detalhe não signifique muita coisa).
Criticar o filme e apontar suas deficiências neste caso é quase como chutar cachorro morto, entretanto, é notável como alguns exemplares irrisórios de filmes oitentista –mesmo os mais obscuros como este –adquiriram, com o tempo, um status cult. Há algo de muito desigual na forma como este filme registra, de maneira praticamente involuntária, uma linguagem, um estilo de se fazer cinema, e um senso de observação das idiossincrasias de toda uma época que tornam esta produção algo que jamais seria feito nos dias de hoje –e por isso mesmo razão de tão curiosa contemplação.
Diferente do que ocorre em outros filmes que estrelou, aqui, Xuxa interpreta uma personagem que é ela própria, ou mais necessariamente a persona que ela criou para seu público infantil, uma espécie de representante espiritual das boas ações e da felicidade contagiante, ou algo assim...
No início do filme, emoldurada por cenas de um merchandising esmagador, ela conduz um grupo de crianças para pintar as cores do arco-íris em muros que foram alvos de pichação pela cidade. Esse gesto altruísta desperta a ira de um ser maligno, morador do submundo –ou algo sugerido como um submundo –o vilanesco Baixo Astral (interpretado com descontração e empenho caricato pelo saudoso Guilherme Karan).
Ele envia seus lacaios para raptar o cachorro dela, Xuxo (na realidade, um fantoche) e o arrasta para dentro da TV (!), obrigando-a a ir atrás dele, numa jornada por um mundo fantástico e tortuoso. Essa premissa é tão descaradamente baseada no clássico oitentista “Labirinto-AMagia do Tempo”, com Jennifer Connelly e David Bowie, que sequer há muita preocupação em disfarçar: Sobretudo, na cena em que Xuxa encontra um muro sem portas (decalcada diretamente daquele filme) e é auxiliada por uma pequena lagarta –exatamente o mesmo acontece com a personagem de Jennifer Connelly!
São os pequenos detalhes, contudo, que revelam no filme uma desapercebida verve politicamente incorreta típica de sua época que fazem uma certa diversão: A caracterização de Baixo Astral é tremendamente amedrontadora para as crianças (sobretudo as de hoje em dia); por outro lado, Xuxa é inverossímil de tão boa e afetuosa, ainda que o público infantil não note o forte apelo sensual que ela tem, trajada naqueles calções sumárias (aliás, a jaqueta que ela usa no filme é inspirada no figurino de Michael Jackson no filme “Captain EO”); Xuxo é um personagem irritante, lamurioso (apontado, em algumas resenhas, até como homossexual!), faz amizade com suas próprias pulgas (também fantoches) e, no final, ainda mija no pé de Baixo Astral (!) a fim de distraí-lo; um dos comparsas do vilão, num momento em que corta salsichas para uma receita, acaba se distraindo e (numa seqüência criada com propósitos cômicos) acaba mutilando o próprio dedo (!), e isso é mostrado em cena; sem qualquer sutileza, o maniqueísmo impera na produção mostrando tudo o quê é mal caracterizado como sujo, escuro, metálico e monocromático, enquanto o quê é bom surge como colorido, luminoso e quase sempre delicado (e afetado!).
Está longe, muito longe de ser um filme bom –não tenha dúvidas –mas não é um filme que inspira indiferença; e é esse detalhe que acaba definindo se um filme é, afinal, ruim.

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