Os críticos enxergam a seqüência final de
filmes realizados pelo diretor Robert Aldrich (de “A Morte Num Beijo”), certa
de uma dezena, como obras-testamento dedicadas a um gênero por vez: Sob essa
perspectiva, “A Vingança de Ulzana”, de 1972, é a visão de um artista
experiente, já despida do entusiasmo festivo da juventude, sobre os percalços
ambíguos e ásperos do Velho Oeste.
Hipnótico como sempre, Burt Lancaster é
McIntosh, um rastreador meio matuto a serviço da Cavalaria que é incorporado à
tropa do novato oficial DeBuin (o ainda muito jovem Bruce Davison que em 1990
seria indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por “Meu Querido
Companheiro” e viveu um senador no primeiro filme dos “X-Men”).
McIntosh tem como missão encontrar a trilha
deixada pelo sanguinário Ulzana (Joaquin Martinez), um líder apache que deixou
sua reserva indígena para arregimentar outros num verdadeiro rastro de sangue
onde atacam e roubam pessoas sem clemência.
Ao longo do tenso percurso que compõe essa
compenetrada perseguição, os homens brancos –em especial, o tenente DeBuin
–refletem e reagem à crueldade dos apaches que vão testemunhando na medida em
que encontram vítimas que não conseguiram salvar.
Todavia, embora lance mão de um registro da
violência intenso como John Ford jamais conseguiria empregar em seus tempos, o
filme de Aldrich é primoroso no policiamento que faz ao próprio fato de
vilanizar os índios: A narrativa do diretor –ao emular com pleno potencial
alegórico os desdobramentos da Guerra do Vietnam de então –expõe com
competência a dualidade de ambos os lados.
Ulzana é impiedoso, sim, na medida em que é
também impiedoso o histórico do relacionamento do homem branco com todos os
povos indígenas –e na atuação magnífica e eloqüente de Martinez, Ulzana, um
personagem que de fato existiu, jamais cai nas armadilhas de ser caracterizado
como vilão do filme. Seus perseguidores são mostrados, no geral, com a pompa, a
circunstância e o enaltecimento que o cinema hollywoodiano presta ao Exército
Americano, mas aqui e ali, Aldrich reconhece elementos de mesquinharia (aos
poucos, o imaturo DeBuin inicia uma disputa velada com o experiente McIntosh),
de ambigüidade (embora indignado com os atos dos apaches, o sargento vivido por
Richard Jaeckel se dispõe a retribuir com a mesma atrocidade) e de rancor
(Ke-Ni-Tai, o apache que lhes serve de guia e auxilia McIntosh –muito bem
interpretado por Jorge Luke –é alvo constante da amargura e da desconfiança de
DeBuin) que os impedem de ter a torcida incondicional do público.
“A Vingança de Ulzana”
trabalha assim com a névoa de indefinição que os faroestes da Velha Hollywood
não tinham elasticidade moral para observar. É uma ciranda de tensas dinâmicas
que ele promove: McIntosh tem desenvoltura o suficiente para entender que a
guerra com os apaches não é tão preto no branco quanto crê seu jovem
comandante; DeBuin vê os apaches como inimigos cruéis e aos quais a mesma
crueldade é uma resposta oportuna, mas se esquece que entre seus homens, um de
seus subordinados mais eficientes e imprescindíveis é, ele próprio, um apache
(Ke-Ni-Tai); por sua vez, Ke-Ni-Tai (que, com freqüência, se revela o melhor
personagem do filme) parece tentar afastar-se da conclusão de que pode estar
fazendo um desserviço à própria raça ajudando-os a perseguir Ulzana –o quê me
fez lembrar muito do macaco aliado aos humanos em “Planeta dos Macacos-AGuerra”: Guardadas as proporções e mantida a analogia, ele e Te-Ni-Kai são
quase os mesmos personagens.
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