segunda-feira, 2 de abril de 2018

A Vingança de Ulzana

Os críticos enxergam a seqüência final de filmes realizados pelo diretor Robert Aldrich (de “A Morte Num Beijo”), certa de uma dezena, como obras-testamento dedicadas a um gênero por vez: Sob essa perspectiva, “A Vingança de Ulzana”, de 1972, é a visão de um artista experiente, já despida do entusiasmo festivo da juventude, sobre os percalços ambíguos e ásperos do Velho Oeste.
Hipnótico como sempre, Burt Lancaster é McIntosh, um rastreador meio matuto a serviço da Cavalaria que é incorporado à tropa do novato oficial DeBuin (o ainda muito jovem Bruce Davison que em 1990 seria indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por “Meu Querido Companheiro” e viveu um senador no primeiro filme dos “X-Men”).
McIntosh tem como missão encontrar a trilha deixada pelo sanguinário Ulzana (Joaquin Martinez), um líder apache que deixou sua reserva indígena para arregimentar outros num verdadeiro rastro de sangue onde atacam e roubam pessoas sem clemência.
Ao longo do tenso percurso que compõe essa compenetrada perseguição, os homens brancos –em especial, o tenente DeBuin –refletem e reagem à crueldade dos apaches que vão testemunhando na medida em que encontram vítimas que não conseguiram salvar.
Todavia, embora lance mão de um registro da violência intenso como John Ford jamais conseguiria empregar em seus tempos, o filme de Aldrich é primoroso no policiamento que faz ao próprio fato de vilanizar os índios: A narrativa do diretor –ao emular com pleno potencial alegórico os desdobramentos da Guerra do Vietnam de então –expõe com competência a dualidade de ambos os lados.
Ulzana é impiedoso, sim, na medida em que é também impiedoso o histórico do relacionamento do homem branco com todos os povos indígenas –e na atuação magnífica e eloqüente de Martinez, Ulzana, um personagem que de fato existiu, jamais cai nas armadilhas de ser caracterizado como vilão do filme. Seus perseguidores são mostrados, no geral, com a pompa, a circunstância e o enaltecimento que o cinema hollywoodiano presta ao Exército Americano, mas aqui e ali, Aldrich reconhece elementos de mesquinharia (aos poucos, o imaturo DeBuin inicia uma disputa velada com o experiente McIntosh), de ambigüidade (embora indignado com os atos dos apaches, o sargento vivido por Richard Jaeckel se dispõe a retribuir com a mesma atrocidade) e de rancor (Ke-Ni-Tai, o apache que lhes serve de guia e auxilia McIntosh –muito bem interpretado por Jorge Luke –é alvo constante da amargura e da desconfiança de DeBuin) que os impedem de ter a torcida incondicional do público.
“A Vingança de Ulzana” trabalha assim com a névoa de indefinição que os faroestes da Velha Hollywood não tinham elasticidade moral para observar. É uma ciranda de tensas dinâmicas que ele promove: McIntosh tem desenvoltura o suficiente para entender que a guerra com os apaches não é tão preto no branco quanto crê seu jovem comandante; DeBuin vê os apaches como inimigos cruéis e aos quais a mesma crueldade é uma resposta oportuna, mas se esquece que entre seus homens, um de seus subordinados mais eficientes e imprescindíveis é, ele próprio, um apache (Ke-Ni-Tai); por sua vez, Ke-Ni-Tai (que, com freqüência, se revela o melhor personagem do filme) parece tentar afastar-se da conclusão de que pode estar fazendo um desserviço à própria raça ajudando-os a perseguir Ulzana –o quê me fez lembrar muito do macaco aliado aos humanos em “Planeta dos Macacos-AGuerra”: Guardadas as proporções e mantida a analogia, ele e Te-Ni-Kai são quase os mesmos personagens.

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