Talvez só fosse possível mesmo que Steven
Spielberg dirigisse este filme: Da forma como está, “Jogador Nº 1” é um
caldeirão tão amplo e diversificado de referências à cultura pop (a exemplo do
livro escrito por Ernest Cline que o inspirou) que somente alguém com a
influência de Spielberg conseguiria uma aprovação para todos os personagens,
itens e menções que proliferam em cena –este é um daqueles filmes que podemos
ver quatro, cinco vezes, e em todas notar um elemento novo, uma outra
informação visual.
Com toda sua atenção aos detalhes voltada para
a cultura pop do final do século XX e início do século XIX, o “Jogador Nº 1”
tem, contudo, sua trama ambientada num denso e detalhado futuro, o ano de 2045,
quando a humanidade, cuja desigualdade entre ricos e pobres atingiu um extremo
ainda mais superlativo que o dos dias de hoje, escolheu parar de importar-se
com seus problemas e emergir coletivamente num mundo virtual chamado “Oásis”
–uma espécie de “Matrix” à qual seus usuários se perdem de muito bom grado.
“Oásis”, porém, não é um mundo que replica a
realidade do nosso, muito pelo contrário: É um lugar de cenários assombrosos e
impossíveis (concebidos com singular noção de espetáculo pela direção de
fotografia de Janusz Kaminski) no qual todos podem ser e ter aquilo que
quiserem, criando avatares para si mesmos onde são fortes, hábeis e belos na
medida proporcional de sua própria vontade, e onde conseguem obter utensílios
tão preciosos e inacreditáveis como ter o DeLorean da Trilogia “De Volta Para OFuturo” como carro de corrida, a ‘granada santa’ de “Monty Python Em Busca do
Cálice Sagrado”, a arma giratória do filme “Krull”, ou uma carcaça de robô
idêntica ao do “Gigante de Ferro” –e estas são só algumas das referências
intensas e simultâneas que se atropelam em cena!
Prova de que a caracterização futurista de
Ernest Cline, e agora do diretor Spielberg obedece a uma natureza tão
nostálgica quanto referencial é que sua trama guarda bem disfarçados elementos
de “A Fantástica Fábrica de Chocolates”: Como naquele clássico, o grande e
cultuado proprietário criador do “Oásis”, o lendário James Halliday (vivido por
aquele que Spielberg elegeu seu mais recente ator-assinatura, Mark Rylance,
vencedor do Oscar por “Ponte dos Espiões”) faleceu sem deixar herdeiros que
cuidem (e usufruem) daquela que, sem sombras de dúvida, é a maior e mais
lucrativa empresa do planeta Terra.
No entanto, Halliday tinha um plano: Antes de
morrer, ele deixou um ‘easter egg’ escondido em algum lugar das imensidões
incalculáveis do “Oásis”. Aquele que tiver a sorte de achá-lo, após uma
enigmática trilha de pistas que se iniciam com uma chave, será dono de tudo.
Entretanto, cinco anos depois, absolutamente ninguém chegou sequer perto de
encontrar uma pista de onde tal tesouro está.
Isso até o jovem e inteligente Wade Watts (Tye
Sheridan, de “X-Men Apocalypse” e “Como Sobreviver A Um Ataque Zumbi”), na
forma de seu avatar, Parcival, descobrir um meio de obter a primeira chave
(dentre três) graças à improvável dica encontrada por acaso num dos incontáveis
vídeos digitais deixados por Halliday –com isso, ele ganha a primeira chave
numa corrida que envolve a moto icônica de “Akira”, o veículo de “Christine-O
Carro Assassino”, o batmóvel da série do “Batman” dos anos 1960 e tem, em sua
perigosa fase final, o gorila gigantesco de “King Kong”.
Se antes Watts era só mais um jovem usuário do
“Oásis” em meio à tantos, essa descoberta fez de seu avatar, uma verdadeira
celebridade. Ele agora é o ‘Jogador N° 1’ –e tal privilégio agora faz dele
inesperado alvo de Ártemis, o avatar de uma garota que há muito Watts queria
conhecer (e que é interpretada pela gracinha Olívia Cooke, de “Eu, Você e A
Garota Que Vai Morrer”), além de também colocá-lo no radar de Nolan Sorrento
(Ben Mendelsohn, de “Rogue One”), atual chefe corporativo da tentacular “Ioi”,
uma organização que não vai medir esforços (e nem escrúpulos) para ganhar tal
torneio e se tornar proprietário de todo o “Oásis”.
Além de exercer sua técnica brilhante ostentada
em praticamente todos os seus grandes filmes e visivelmente aprimorada ao longo
de suas décadas de experiência, Spielberg tem a chance, em “Jogador N° 1”, de extravasar
toda sua faceta de cinéfilo (normalmente, mais contida que a de Martin
Scorsese, por exemplo), e nerd: Saltam na tela detalhes que remetem a jogos de
videogames, músicas dos anos 1980, desenhos animados e filmes, muitos filmes:
São visíveis, em inúmeros momentos, citações implícitas ou explícitas de “Indiana
Jones”, “O Senhor das Feras”, “Alien-O 8º Passageiro”, “Superman-O Filme”, “As
Aventuras de Buckaroo Banzai”, “Os Embalos de Sábado À Noite”, o assassino
Jason de “Sexta-Feira 13”, o Freddy Krueger de “A Hora do Pesadelo”, o Chucky
de “Brinquedo Assassino” e “Godzilla” –ou mais necessariamente o
“Mecha-Godzilla”!
Nada, contudo, se compara à homenagem
extraordinária que ele presta –em meio à uma seqüência inteira –ao seu grande
amigo Stanley Kubrick e à “O Iluminado”, cujas cenas o filme recria com exatidão
embasbacante; só faltou mesmo uma participação de Jack Nicholson!
Spielberg, após uma
sucessão de trabalhos de orientação mais séria, criou a maior e mais
eletrizante sucessão de referências já acumuladas no cinema, e que dificilmente
será superada nos próximos anos.
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