segunda-feira, 2 de abril de 2018

Jogador Nº 1

Talvez só fosse possível mesmo que Steven Spielberg dirigisse este filme: Da forma como está, “Jogador Nº 1” é um caldeirão tão amplo e diversificado de referências à cultura pop (a exemplo do livro escrito por Ernest Cline que o inspirou) que somente alguém com a influência de Spielberg conseguiria uma aprovação para todos os personagens, itens e menções que proliferam em cena –este é um daqueles filmes que podemos ver quatro, cinco vezes, e em todas notar um elemento novo, uma outra informação visual.
Com toda sua atenção aos detalhes voltada para a cultura pop do final do século XX e início do século XIX, o “Jogador Nº 1” tem, contudo, sua trama ambientada num denso e detalhado futuro, o ano de 2045, quando a humanidade, cuja desigualdade entre ricos e pobres atingiu um extremo ainda mais superlativo que o dos dias de hoje, escolheu parar de importar-se com seus problemas e emergir coletivamente num mundo virtual chamado “Oásis” –uma espécie de “Matrix” à qual seus usuários se perdem de muito bom grado.
“Oásis”, porém, não é um mundo que replica a realidade do nosso, muito pelo contrário: É um lugar de cenários assombrosos e impossíveis (concebidos com singular noção de espetáculo pela direção de fotografia de Janusz Kaminski) no qual todos podem ser e ter aquilo que quiserem, criando avatares para si mesmos onde são fortes, hábeis e belos na medida proporcional de sua própria vontade, e onde conseguem obter utensílios tão preciosos e inacreditáveis como ter o DeLorean da Trilogia “De Volta Para OFuturo” como carro de corrida, a ‘granada santa’ de “Monty Python Em Busca do Cálice Sagrado”, a arma giratória do filme “Krull”, ou uma carcaça de robô idêntica ao do “Gigante de Ferro” –e estas são só algumas das referências intensas e simultâneas que se atropelam em cena!
Prova de que a caracterização futurista de Ernest Cline, e agora do diretor Spielberg obedece a uma natureza tão nostálgica quanto referencial é que sua trama guarda bem disfarçados elementos de “A Fantástica Fábrica de Chocolates”: Como naquele clássico, o grande e cultuado proprietário criador do “Oásis”, o lendário James Halliday (vivido por aquele que Spielberg elegeu seu mais recente ator-assinatura, Mark Rylance, vencedor do Oscar por “Ponte dos Espiões”) faleceu sem deixar herdeiros que cuidem (e usufruem) daquela que, sem sombras de dúvida, é a maior e mais lucrativa empresa do planeta Terra.
No entanto, Halliday tinha um plano: Antes de morrer, ele deixou um ‘easter egg’ escondido em algum lugar das imensidões incalculáveis do “Oásis”. Aquele que tiver a sorte de achá-lo, após uma enigmática trilha de pistas que se iniciam com uma chave, será dono de tudo. Entretanto, cinco anos depois, absolutamente ninguém chegou sequer perto de encontrar uma pista de onde tal tesouro está.
Isso até o jovem e inteligente Wade Watts (Tye Sheridan, de “X-Men Apocalypse” e “Como Sobreviver A Um Ataque Zumbi”), na forma de seu avatar, Parcival, descobrir um meio de obter a primeira chave (dentre três) graças à improvável dica encontrada por acaso num dos incontáveis vídeos digitais deixados por Halliday –com isso, ele ganha a primeira chave numa corrida que envolve a moto icônica de “Akira”, o veículo de “Christine-O Carro Assassino”, o batmóvel da série do “Batman” dos anos 1960 e tem, em sua perigosa fase final, o gorila gigantesco de “King Kong”.
Se antes Watts era só mais um jovem usuário do “Oásis” em meio à tantos, essa descoberta fez de seu avatar, uma verdadeira celebridade. Ele agora é o ‘Jogador N° 1’ –e tal privilégio agora faz dele inesperado alvo de Ártemis, o avatar de uma garota que há muito Watts queria conhecer (e que é interpretada pela gracinha Olívia Cooke, de “Eu, Você e A Garota Que Vai Morrer”), além de também colocá-lo no radar de Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn, de “Rogue One”), atual chefe corporativo da tentacular “Ioi”, uma organização que não vai medir esforços (e nem escrúpulos) para ganhar tal torneio e se tornar proprietário de todo o “Oásis”.
Além de exercer sua técnica brilhante ostentada em praticamente todos os seus grandes filmes e visivelmente aprimorada ao longo de suas décadas de experiência, Spielberg tem a chance, em “Jogador N° 1”, de extravasar toda sua faceta de cinéfilo (normalmente, mais contida que a de Martin Scorsese, por exemplo), e nerd: Saltam na tela detalhes que remetem a jogos de videogames, músicas dos anos 1980, desenhos animados e filmes, muitos filmes: São visíveis, em inúmeros momentos, citações implícitas ou explícitas de “Indiana Jones”, “O Senhor das Feras”, “Alien-O 8º Passageiro”, “Superman-O Filme”, “As Aventuras de Buckaroo Banzai”, “Os Embalos de Sábado À Noite”, o assassino Jason de “Sexta-Feira 13”, o Freddy Krueger de “A Hora do Pesadelo”, o Chucky de “Brinquedo Assassino” e “Godzilla” –ou mais necessariamente o “Mecha-Godzilla”!
Nada, contudo, se compara à homenagem extraordinária que ele presta –em meio à uma seqüência inteira –ao seu grande amigo Stanley Kubrick e à “O Iluminado”, cujas cenas o filme recria com exatidão embasbacante; só faltou mesmo uma participação de Jack Nicholson!
Spielberg, após uma sucessão de trabalhos de orientação mais séria, criou a maior e mais eletrizante sucessão de referências já acumuladas no cinema, e que dificilmente será superada nos próximos anos.

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