sexta-feira, 6 de abril de 2018

Extraordinário

Em princípio, pode lembrar um pouco o melodrama oitentista “Marcas do Destino”, com Cher e Eric Stolz, este filme adaptado do livro de R. J. Palacio, mas o trabalho do diretor Stephen Chbosky (de “As Vantagens de Ser Invisível”, adaptado de seu próprio livro) não tarda a demonstrar valor próprio e emoção genuína.
Preservando o formato episódico na narrativa, típico de um escritor convertido em diretor de cinema, ele conta a história de Augie Pullmann, garotinho que nasceu com uma deformação facial. Após vinte e sete cirurgias (!), Augie consegue ver, ouvir e falar, embora não consiga parecer uma pessoa de aspecto normal –e o trabalho do pequeno e talentoso Jacob Tremblay (do magistral “O Quarto de Jack”), oculto atrás de quilos de maquiagem, é de um encanto sem fim.
Ao completar nove anos, sua mãe (interpretada com dignidade por Julia Roberts), após educá-lo em casa toda a vida, opta ao lado de seu pai (Owen Wilson) por matriculá-lo numa escola, mesmo diante da angústia de que, junto com a necessária e saudável interação social, ele certamente experimentará a rejeição, a intolerância e a crueldade alheia.
O ponto de partida do filme é o primeiro dia de Augie na escola, e a gradual forma com que ele e os outros a sua volta irão assimilar essa nova fase. O filme se incumbe assim de contar ao expectador o exato período de um ano experimentado pelos personagens.
Talvez, a grande sacada do roteiro seja realmente o fato da narrativa não pesar sobre os ombros de seu pequeno protagonista: Ao contrário de tantos filmes de tema semelhante que vieram antes dele, “Extraordinário” divide o ponto de vista entre vários personagens, assumindo, às vezes breve, às vezes demoradamente, o olhar de outros sobre os mesmos acontecimentos proporcionando uma experiência mais agregadora, mais emotiva e mais plural.
É muito bonito, por exemplo, quando o filme dá uma guinada num capítulo que leva o nome de “Via” –o nome da irmã de Augie, vivida por Izabela Vidovic –e passamos a enxergar a trama e sua família pelos olhos dela, alguém que aceitou ser deixada de lado porque tudo girava em torno de seu irmãozinho caçula enfermo (é nesse trecho que podemos ver a ótima participação, em uma única cena, da brasileira Sonia Braga); ou quando mais a frente, vemos a história transcorrer sob o ponto de vista de Jack Will (o expressivo Noah Jupe), o melhor amigo de Augie –ainda que, no fim das contas, todos os desdobramentos sempre acabem fazendo de Augie o cerne da produção (e, nesse sentido, é preciso reiterar os elogios à presença do pequeno e fabuloso Tremblay).
Ao compartilhar sua narrativa com seus ótimos coadjuvantes (alguns até inesperadamente profundos), o diretor Chbosky investe, como quem não quer nada, num salutar registro da aceitação e da benevolência em progresso e concebe um filme de insuspeito poder de emocionar.

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