sexta-feira, 25 de maio de 2018

Um Conto Chinês


Brilhante, como é habitual no cinema argentino, este trabalho formidável do diretor Sebastian Borensztein se beneficia, antes de qualquer coisa, de uma interpretação primordial de Ricardo Darin que emprega seu talento na construção zelosa e criteriosa de um personagem tão difícil e desafiador quando o de Jack Nicholson em “Melhor É Impossível”.
Roberto é ranzinza, reclamão e intratável. E tem plena consciência de ser assim.
Dono de uma loja de ferragens, ele é capaz de contar um a um os parafusos feitos numa encomenda para conferir se correspondem ao número discriminado na embalagem.
Um de seus hábitos mais obsessivos –um dos muitos que ele cultiva desde que regressou brutalizado e abalado pela Guerra das Malvinas –é o de colecionar notícias absurdas recortadas de jornais aleatórios ao redor do mundo (incluindo a da vaca que cai do céu sobre um casal de noivos num lago; cena que abre o filme).
Esse pragmatismo irascível também o relega a solidão; Roberto sabe ser incapaz de suportar uma companheira por muito tempo tanto quanto sabe ser incapaz de fazer com que ela o suporte.
Como manda as ironias inevitáveis de qualquer premissa, é justamente um tipo como esse quem irá encontrar, certo dia, um chinês completamente perdido (Huang Sheng Huang, o protagonista, por sinal, do episódio com a vaca), com quem Roberto é incapaz de se comunicar, já que um não fala o idioma do outro.
Ainda assim, ele o acolhe para tentar ajudá-lo a encontrar o único parente que parece ter-lhe restado, iniciando um processo que pode tirá-lo do isolamento existencial no qual todas as suas neuroses o colocaram.
Uma primorosa e divertida reflexão moral sobre as coincidências que nos conectam uns aos outros, “Um Conto Chinês” serve não só como palco para o maior ator argentino em atividade criar seu personagem com zelo e minúcia, prendendo o expectador à sua história que trafega com desenvoltura do drama à comédia, mas também para demonstrar a perspicácia com a qual o roteiro se constrói nunca deixando de enfatizar o fator humano fundamental a esta história de relações que se erguem e se descobrem em meio às entrecruzadas linhas de causa e efeito que compõem o destino.

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