“O mineiro só é solidário no câncer!”
A produção deste filme nacional dos anos 1980
tem tanta fé na inspiração contida nesta frase (atribuída a Otto Lara Resende)
que ela é repetida exaustivamente –e além do que é tido por aceitável –ao longo
de toda sua duração.
Baseado numa obra de Nelson Rodriguez,
“Bonitinha, Mas Ordinária” se encaixa com perfeição na vertente maliciosa e
libidinosa da pornochanchada de então que fazia a alegria do público nada
politicamente correto com sua farta vulgaridade e promiscuidade.
É a essa e a outras demandas que o filme de
Braz Chediak procura atender.
E, se pararmos para pensar sob esse prisma –o
de uma realização que se dispõe a irmanar-se a outras tendências –há razões até
para tolerar seus excessos, suas bizarrices e seu característico non-sense
(elementos que ele tem de sobra).
O jovem Edgar (José Wilker) não passa de um
‘contínuo’ na firma em que trabalha –e, no filme, todos usam tal termo para
assim se referir a ele, com veemente intenção de desprezo.
A oportunidade para ascender logo vem, não,
contudo, desprovida de ônus: Edgar pode ganhar um cargo proeminente na empresa,
desde que concorde em se casar com a filha do asqueroso Dr. Werneck (Carlos
Kroeber, numa entrega perniciosa ao papel).
A moça em questão, Maria Cecília, é bela e
desejável –e, interpretada por Lucélia Santos, é também um fulgor de carisma
selvagem e apelo sexual –entretanto, é claro que há um porém; Maria Cecília foi
currada por um bando de negões –numa seqüência tremendamente inacreditável onde
o filme une a exploitation (não são poupados ângulos de câmeras reveladores e
nem sadismo durante a cena), a permissividade do cinema brasileiro de então (no
qual absurdos como fantasiar e fetichizar um estupro coletivo eram coisas
corriqueiras) e uma referência à Akira Kurosawa (a cena em si é revista de
diferentes formas várias vezes ao longo do filme)!
Depois do ocorrido (segundo consta, a mando de
um chefe criminoso chamado “Cadelão”), a honra da moça só pode ser salva com um
casamento arranjado, no qual o pobre Edgar entra de gaiato.
O dilema maior de Edgar se concentra no fato de
que ele começa, então, a conquistar algum avanço em sua relação com a terna e
deliciosa Ritinha (que, interpretada por Vera Fischer é, também ela, um furacão
de sensualidade em cena, ainda que vivendo uma personagem acanhada), garota moradora
do mesmo prédio que ele, cujo sustento das irmãs mais novas (entre elas uma
jovem, muito jovem, Claudia Ohana) a levou à prostituição.
Se a obra de Nelson Rodriguez já era toda uma
elaborada situação de circunstâncias exploratórias e sexuais, o filme de Braz
Chediak, usando seu enredo por base ramifica e potencializa muito mais esse
aspecto. A premissa em si –correspondendo ao contexto cinematográfico a que
pertence –acaba sendo um pretexto para cenas constantes de nudez e sexo: O
relato bem ‘rodrigueano’ de Ritinha sobre como iniciou sua desafortunada vida
dupla (com seu primeiro abusador dizendo “Minha filha!” durante o ato!); o
mendigo (cuja caracterização, irreal e absurda, parece mais a de um
alienígena!) que flagra um amasso –com direito à nudez! –entre Ritinha e Edgar,
e sai gritando: “Também quero, também sou filho de Deus!”; a cena de orgia na
mansão do Dr. Werneck, em que os ricos amorais e inescrupulosos assistem, por
sádica diversão, a dolorosa defloração de pobres garotas virgens (que vêem a
ser as irmãs de Ritinha), numa alusão deliberada e completamente mambembe ao
gesto provocador de Píer Paolo Pasolini em “Saló”; além da cena já citada do
estupro coletivo e de muitas outras.
Embora feito com uma intenção pouco convicta
para chocar, a transfiguração da obra de Nelson Rodriguez num autêntico produto
da pornochanchada dificilmente chocaria seu próprio autor –ele certamente
acharia graça do “Frankenstein” de bizarrices sem justificativas que sua obra
se transformou.
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