terça-feira, 30 de outubro de 2018

O Bom Gigante Amigo


A primeira colaboração direta de Steven Spielberg com os Estúdios Disney (se não incluirmos a participação da Touchstone Pictures na distribuição de “Cavalo de Guerra”) se esforça para unir os valores familiares e infantis das obras conhecidas do estúdio com a habilidade notória do realizador em conceber grandes obras de fantasia –nesse sentido, a sensação de manter uma tradição é mais forte do que qualquer experimentação autoral.
Até mesmo Melissa Mathison (a roteirista de “E.T.”) foi trazida à equipe na intenção de proporcionar à obra –que adapta uma obra de Roald Dahl –o verniz das icônicas fantasias do diretor.
Num clima que une habilmente a percepção de tempo e lugar presente nos trabalhos de Dahl, a atmosfera (bem como a técnica magistral) de Spielberg e o manejo emocional e lúdico de Melissa Mathison, nos é mostrada a rotina um tanto estranha da órfã Sophie (Ruby Barnhill, uma pequena prova viva da habilidade de Spielberg em arrancar magníficas interpretações de crianças): Sem qualquer compatibilidade com as outras crianças do orfanato londrino onde mora, a menina –que sofre de insônia –troca o dia pela noite, zanzando de madrugada.
Não demora muito para, nessas condições, ela fazer uma descoberta: Da janela do orfanato, ela avista uma figura improvável esgueirando-se pelas ruas iluminadas de Londres, um gigante (vivido, num delicado trabalho de captura de performance por Mark Rylance, ator que, desde “Ponte dos Espiões”, tem marcado presença constante nos filmes de Spielberg).
Testemunha involuntária da existência dele, Sophie é capturada e levada por ele até a longínqua Terra dos Gigantes, onde mora.
Entretanto, o gigante se revela bondoso –ao contrário dos demais de sua espécie, todos maiores que ele, malvados de verdade e que inclusive gostam de raptar crianças para devorá-las! –criando, com Sophie, um belo laço de amizade; ela passa a chama-lo de BGA, sigla de Bom Gigante Amigo.
Vegetariano (ele só come ‘chuchubobrinha’ um vegetal da Terra dos Gigantes, o quê lhe conferiu a estatura menor que a dos outros gigantes cuja dieta consiste de carne), a ocupação maior de BGA é a de colher os sonhos das crianças –era isso que ele fazia em Londres quando Sophie o surpreendeu –e, por vezes, manipulá-los; transformando, por exemplo, pesadelos em sonhos bons (a materialização de tais cenas é um atestado da perícia e da sensibilidade de Spielberg na lida com efeitos visuais).
A partir daí, Sophie e BGA unem-se na tentativa de advertir a rainha da Inglaterra do grande e desconhecido perigo representado pelos gigantes. E a cena, quando por fim BGA conhece a rainha (Penelope Wilton, da série “Downton Abbey”) e junto dela tem uma engraçada e protocolar sessão de chá, é divertidíssima na sátira inocente que tece do comportamento inglês.
Longe de almejar qualquer conflito mais acentuado –o quê na opinião de alguns representa seu ‘calcanhar de Aquiles’ –“O Bom Gigante Amigo” é um título deliberadamente mais humilde, mais pueril e mais ingênuo em meio à exuberante filmografia de Spielberg, que a cada ano consegue agregar novas e impressionantes obras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário