“Uma Aventura de Lemmy Caution” é o subtítulo
que sucede o título, o que incorpora este filme a uma série de trabalhos
populares de suspense estrelados todos pelo detetive particular Lemmy Caution,
vivido sempre pelo irregular ator Eddie Constantine.
O fato deste filme ser dirigido por Jean-Luc
Godard invariavelmente faz dele um corpo estranho nesse apanhado –e Godard
honra esse detalhe tornando esta obra uma mescla lisérgica e ocasionalmente
verborrágica de ficção científica, film noir, thriller de espionagem e nouvelle
vague francesa.
Embora seja o detetive Lemmy Caution, Eddie
Constantine surge no filme afirmando ser Ivan Johnson, um repórter que chega à
assim chamada cidade do futuro, Alphaville, para empreender uma matéria
jornalística.
Seu objetivo, ele diz, é encontrar um certo
Professor Von Braun, grande mente responsável pela doutrina estéril e futurista
adotada no lugar, mas, na realidade, Caution quer usá-lo como meio para chegar
até a Inteligência Artificial que –a exemplo do Grande Irmão de George Orwell
–controla toda a cidade.
Embora “Alphaville” seja a primeira e única
ficção científica engendrada por Godard, salta aos olhos o fato de que lá estão
todas as suas inquietações que naquele período da década de 1960 ele expressou
de forma incansável em simultâneos manifestos cinematográficos: O controle
ideológico por meio de doutrinas estabelecidas; a ênfase no protagonismo dos
outsiders; a narrativa enigmática pontuada de abstrações; e um inconformismo
estético e artístico na constante conversão do filme em uma obra sempre
inquietante e desafiadora –ainda que muitas vezes essas escolhas, na opinião de
boa parte da plateia, flertem com o enfadonho.
É interessante notar que Godard não se vale de
qualquer elaboração estética nos figurinos ou na direção de arte para passar a
noção de futurismo em seu filme –ele o faz por meio da atmosfera que cria,
limitando-se a filmar ambientes modernos que já existiam em Paris. Sendo esta
obra feita logo depois de “Duas Ou Três Coisas Que Eu Sei Dela” (uma espécie de
tributo de Godard à Paris), pode-se observar que há, entre esses dois filmes,
um tipo de diálogo: É Godard justapondo em dois trabalhos distintos, a cidade
do presente e a cidade do futuro.
Com efeito, nesse futuro, ele vislumbra, de
maneira até previsível, uma perda generalizada das emoções. Os seres humanos em
“Alphaville” são autômatos e robotizados em sua subserviência à ordem vigente.
Emoções de grande intensidade, como o amor, foram removidas da rotina de seus
cidadãos. Nesse sentido, é emblemático o arco narrativo pertencente à
personagem da maravilhosa Anna Karina, atriz de beleza acachapante, envolvida
com Godard na época da realização do filme; ela vive Natacha Von Braun, filha
do tal professor e, aos poucos, interesse romântico de Caution.
O tema da repressão de sentimentos –que aqui
encontra em Anna Karina seu catalizador –ganha pouco a pouco a atenção central
da narrativa quando o detetive Caution passa a entender que basta salvá-la para
que sua missão tenha algum sentido.
Todas as circunstâncias que
conduzem à cena final ganham então um curioso reflexo pessoal quando entendemos
que é o próprio Godard ponderando os próprios sentimentos, colocando em cena a
própria mulher que ama (e que aparentemente perdeu a partir desta produção) no
papel de uma protagonista que precisa encontrar e compreender o amor para não
se perder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário