segunda-feira, 15 de abril de 2019

Alphaville

“Uma Aventura de Lemmy Caution” é o subtítulo que sucede o título, o que incorpora este filme a uma série de trabalhos populares de suspense estrelados todos pelo detetive particular Lemmy Caution, vivido sempre pelo irregular ator Eddie Constantine.
O fato deste filme ser dirigido por Jean-Luc Godard invariavelmente faz dele um corpo estranho nesse apanhado –e Godard honra esse detalhe tornando esta obra uma mescla lisérgica e ocasionalmente verborrágica de ficção científica, film noir, thriller de espionagem e nouvelle vague francesa.
Embora seja o detetive Lemmy Caution, Eddie Constantine surge no filme afirmando ser Ivan Johnson, um repórter que chega à assim chamada cidade do futuro, Alphaville, para empreender uma matéria jornalística.
Seu objetivo, ele diz, é encontrar um certo Professor Von Braun, grande mente responsável pela doutrina estéril e futurista adotada no lugar, mas, na realidade, Caution quer usá-lo como meio para chegar até a Inteligência Artificial que –a exemplo do Grande Irmão de George Orwell –controla toda a cidade.
Embora “Alphaville” seja a primeira e única ficção científica engendrada por Godard, salta aos olhos o fato de que lá estão todas as suas inquietações que naquele período da década de 1960 ele expressou de forma incansável em simultâneos manifestos cinematográficos: O controle ideológico por meio de doutrinas estabelecidas; a ênfase no protagonismo dos outsiders; a narrativa enigmática pontuada de abstrações; e um inconformismo estético e artístico na constante conversão do filme em uma obra sempre inquietante e desafiadora –ainda que muitas vezes essas escolhas, na opinião de boa parte da plateia, flertem com o enfadonho.
É interessante notar que Godard não se vale de qualquer elaboração estética nos figurinos ou na direção de arte para passar a noção de futurismo em seu filme –ele o faz por meio da atmosfera que cria, limitando-se a filmar ambientes modernos que já existiam em Paris. Sendo esta obra feita logo depois de “Duas Ou Três Coisas Que Eu Sei Dela” (uma espécie de tributo de Godard à Paris), pode-se observar que há, entre esses dois filmes, um tipo de diálogo: É Godard justapondo em dois trabalhos distintos, a cidade do presente e a cidade do futuro.
Com efeito, nesse futuro, ele vislumbra, de maneira até previsível, uma perda generalizada das emoções. Os seres humanos em “Alphaville” são autômatos e robotizados em sua subserviência à ordem vigente. Emoções de grande intensidade, como o amor, foram removidas da rotina de seus cidadãos. Nesse sentido, é emblemático o arco narrativo pertencente à personagem da maravilhosa Anna Karina, atriz de beleza acachapante, envolvida com Godard na época da realização do filme; ela vive Natacha Von Braun, filha do tal professor e, aos poucos, interesse romântico de Caution.
O tema da repressão de sentimentos –que aqui encontra em Anna Karina seu catalizador –ganha pouco a pouco a atenção central da narrativa quando o detetive Caution passa a entender que basta salvá-la para que sua missão tenha algum sentido.
Todas as circunstâncias que conduzem à cena final ganham então um curioso reflexo pessoal quando entendemos que é o próprio Godard ponderando os próprios sentimentos, colocando em cena a própria mulher que ama (e que aparentemente perdeu a partir desta produção) no papel de uma protagonista que precisa encontrar e compreender o amor para não se perder.

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