sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

A Marcha dos Pinguins

Não é negado aos documentários o direito de possuir lirismo; esta é certamente a máxima pela qual se orienta a narrativa muito particular desde registro poético e ao mesmo tempo didático (ao seu jeito) dos hábitos notáveis observados nos pinguins da Antártida.
Dirigido por Luc Jacquet, este documentário francês acompanha o que em tudo e por tudo se trata de um ritual ocasionado pela própria natureza, quando inacreditáveis legiões da raça Pinguim Imperador marcham por cerca de vinte dias até um campo de vastidão gelada no pólo sul, onde irão acasalar.
Do delicado ritual da escolha de um parceiro até a árdua colaboração de administrar tarefas que garantam a sobrevivência, o filme de Luc Jacques ilustra seus percalços amparando as atitudes dos pinguins em narrações com vozes humanas –entretanto, diferente dos demais documentários, essas vozes não descrevem detalhes específicos e imparciais dos acontecimentos; elas conferem, sim, sentimento e identidade aos pinguins em cena.
Uma dramatização do que é documentado pelas câmeras.
Dessa forma, esse elenco de vozes –Romane Bohringer e Charles Berling na versão original francesa; Antonio Fagundes e Patricia Pillar na versão em português –termina até servindo aos propósitos elucidativos da natureza documental: Tão incrivelmente parecidos são os Pinguins Imperador que uma narrativa convencional de documentário de fato não conseguiria transmitir com clareza muitos acontecimentos, visto que não se consegue distinguir visualmente os machos das fêmeas. No entanto, com o acréscimo das vozes, e da emoção insuspeita trazida por elas, não apenas conseguimos distingui-los, mas compreender toda a dedicação e perseverança presente em cada um de seus atos.
O ovo gerado a partir do acasalamento traz um único filhote para cada casal. Na imensidão solitária e fria, contudo, a necessidade de alimento surge separando a vida da morte, e uma segunda marcha se faz urgente: As mães devem rumar de volta ao oceano se alimentar e se reenergizar com peixes, e trazer, nos meses por vir, o alimento para o filhote quando já tiver nascido. Para isso, precisam executar um complexo balé onde o ovo botado entre suas pernas deverá passar para as pernas no companheiro –e lá ficar até eclodir, devidamente protegido do frio extremo que é capaz de congelar em segundos; e não são raros os casais que, num erro de cálculo, perdem já ali a sua cria!
Feito o arranjo, as fêmeas seguem para o mar. Os machos ficam no deserto ártico, agrupados numa imensa aglomeração a fim de reter calor que os faça sobreviver –e a seus filhotes –às indomáveis tormentas de neve, perfeitamente capazes de tirar a vida dos mais descuidados.
São meses de fome, desamparo e provação.
Os filhotes nascem; as mães –aquelas que sobrevivem, pelo menos –regressam depois de uma estação inteira com comida naturalmente estocada em suas gargantas. Os filhotes, agora, ficarão, com elas, é a vez dos pais seguirem para o mar.
Essas idas e vindas sazonais se alternam, entre machos e fêmeas, até que toda a prole sobrevivente tenha condições, já durante o verão ártico, para transpor todo o percurso de gelo e ir, eles próprios, para o oceano.
Toda essa jornada é mostrada com uma alternância comovente entre zelo informativo e sensibilidade narrativa. Houve um período –em meados daquele ano de 2005 a 2007 –que os pinguins aparentavam ‘estar na moda’: Eles serviram de tema para animações (o premiado “Happy Feet-O Pinguim” e “Tá Dando Onda”) e até para uma comédia romântica besteirol (“Maldita Sorte”, com Jessica Alba e Dane Cook), nenhum deles, porém, foi tão preciso em esmiuçar esse fascínio ao expectador quanto este notável trabalho, merecido vencedor do Oscar 2006 de Melhor Documentário.

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