quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

A Centopéia Humana

A obra tremendamente controversa do diretor alemão Tom Six tem por objetivo provocar o público; mas, ela o faz por meio de percepções experimentais que não admitem concessões. A única maneira de apreciá-lo (se é que existe como fazê-lo) é abraçando por inteiro seus propósitos ultrajantes; assim como a única reação plausível ao seu espetáculo de horrores é a aversão completa de seu resultado final.
“A Centopéia Humana” obedece parâmetros e estruturas de roteiro muito parecidos com filmes usuais de terror: Temos um arremedo de cientista maluco, na figura de um cirurgião médico outrora especializado em siameses (Dieter Laser) cuja intenção é fazer uma experiência que desafia os limites da ética e do bom senso.
Ele acredita poder criar uma centopéia gigante a partir de cobaias humanas, costurando em fila a boca de um ao ânus de outro (!). Para tal deturpação, ele sonda turistas desavisados. São três que vêem parar em suas garras, um japonês (Akihiro Kitamura) e duas garotas americanas (Ashlynn Yennie e Ashley C. Williams).
Nesse percurso, o filme adquire similaridades com muitas obras já bastante aflitivas sobre reféns nas mãos de sádicos psicopatas, como “Jogos Mortais”, “O Albergue” e outros títulos.
E esse registro do terror usual não omite nem mesmo seus lapsos: O filme de Six parece deliberadamente mostrar-se rudimentar, grosseiro, convencional e previsível –evocando, intencionalmente ou não, todas as características mais óbvias e maçantes do filme de terror moderno.
É quando o esquisito médico põe em prática sua experiência que as coisas ganham outra dimensão –e o filme de Tom Six passa a chocar o expectador de verdade!
Após flertar com o que o gênero tem de óbvio, o diretor Six muda radicalmente sua proposta, e investiga os horrores impronunciáveis de quando o vilão tem seus anseios plenamente realizados: Os três turistas são submetidos à cirurgia. Têm seus orifícios emendados. Os joelhos têm seus tendões cortados para que só consigam andar gatinhando. E, a medida que a experiência vai se materializando, o diretor nos força a contemplar a repugnância extrema de ver a centopéia humana vivendo, enquanto seu criador, num complexo extasiado de deus, se regozija com o medonho resultado.
Talvez, o mais impressionante de tudo isso é que, não obstante os sentimentos de repulsa, desconforto e até mesmo indignação que “A Centopéia Humana” provoca, este primeiro filme ainda se revela modesto e contido na comparação com sua traumática e desconcertante continuação, onde o diretor Tom Six eleva ainda mais os níveis de perversidade, bizarrice e degradação humana.

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