terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Estamos Todos Bem

Giuseppe Tornatore, na sequência de seu aclamado “Cinema Paradiso”, realizou uma obra sobre as desilusões da vida em contraponto ao otimismo e à esperança que as antigas gerações depositam, às vezes inconscientemente, nas gerações mais novas.
Numa atuação primordial de Marcello Mastroianni, o protagonista Matteo Scuro passa seus dias na cidade litorânea da Sicília onde viveu toda a vida. Ao simular conversas com a esposa falecida, ele dirige-se ao próprio expectador, quebrando a quarta parede, e assim nos informa suas intenções de passar o verão reunido aos cinco filhos já adultos, todos morando em outras cidades. Entretanto, o verão termina e ninguém chega para visitar o idoso.
É assim que, embriagado de nostalgia, ele decide partir para visitar um a um.
O primeiro é Alvaro –que surge, numa foto, vivido por Jacques Perin, e nas lembranças de infância, interpretado pelo garotinho Salvatore Cascio; ambos, é bom lembrar, também vivenciaram as diferentes fases de um mesmo personagem em “Cinema Paradiso”.
Mas, Alvaro não se encontra em sua casa em Nápoles –na verdade, ele não se encontra em lugar nenhum!
Perplexo com a desventura, Matteo segue em frente, e vai à Roma visitar Canio (Marino Cenna) que tornou-se –ele crê –um respeitado político. A realidade, porém, revela-se quando o vemos discursando para uma sala vazia: A mediocridade que todos os filhos passarão o filme tentando esconder do pai.
De lá, Matteo vai para Florença, encontrar Tosca (a bela Valeria Cavalli, de “Uma Garota Dividida Em Dois”) que ele supõe ser uma atriz e modelo. Não é: Tosca ganha a vida tirando fotos para catálogos de lingerie, onde sequer mostra o rosto, e esconde do pai o fato de que o bebê em seu apartamento é seu próprio filho –ela conta que é filho de uma amiga.
A caminho de Milão para ver o filho Guglielmo (Roberto Nobile, de “Sob O Sol da Toscana”), Matteo conhece um grupo de aposentados em viagem, junto dos quais visita as praias de Rimini, a cidade-natal de Federico Fellini (e tão brilhantemente retratada por ele em “Amarcord”).
Guglielmo é músico de orquestra e, embora diga ao pai que vai se ausentar para um concerto, ele o faz apenas para que, assim como os outros irmãos, possa protelar a trágica verdade sobre a ausência de Alvaro. E deixa Matteo assim aos cuidados do neto, Antonello (Fabio Iellini).
A última parada leva Matteo à Turim, onde ele encontra Norma (Norma Martelli) que trabalha de atendente de telemarketing (e não de secretária de uma grande empresa como ele acredita) e vive um casamento infeliz e desgostoso (pois não deseja que o pai a veja divorciada).
Todas essas tentativas de encobrir seus infortúnios levam os filhos a entristecer ainda mais o pai, num resultado inverso daquilo que queriam.
O grande mérito do diretor é compor todo esse drama humano sem fazê-lo soar comiserativo, ou deprimente às sensibilidades do público; êxito que ele certamente compartilhada com a interpretação vívida, inspirada e luminosa de Mastroianni.
Nesse trabalho brilhante, Tornatore vale-se  de sua singular capacidade –descoberta em “Cinema Paradiso” –para construir cenas que emocionam com seus sentimentos, provocam com seus simbolismos, e refletem com suas ideias; e que foi, pouco a pouco, se desvanecendo em projetos subsequentes.
Aqui, no entanto, ele encontra um auge artístico e criativo cuja intensidade poucas vezes ele foi capaz de manter em sua carreira.

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