segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Uma Garota Dividida Em Dois


Mais um título para a vasta lista de obras do diretor francês Claude Chabrol na qual o adultério termina invariavelmente em assassinato, “Uma Garota Dividida Em Dois” constrói, em sua primeira parte, as bases de um triângulo amoroso com atenção às imprevisibilidades de uma narrativa inconformista.
Parece deliberado o fato de Chabrol intercalar as cenas –sobretudo, na introdução aos protagonistas –num corte seco, sem qualquer sensibilidade às rimas visuais. É como se ele saltasse abruptamente de um filme para o outro.
O primeiro “filme” vem a ser de Charles Saint-Denis (François Berléand, de “O Concerto” e “Adeus, Meninos”), escritor consagrado aos cinquenta e tantos anos que contempla uma vida confortável; tem uma editora (Mathilda May, de Força Sinistra”) que se desdobra para satisfazer seus caprichos e uma esposa (Valeria Cavalli) inverossivelmente compreensiva –“Uma santa!” nas palavras dele próprio.
O segundo “filme” mostra a jovem Gabrielle (Ludivine Sagnier), apresentadora do boletim meteorológico de um telejornal –e, mais tarde, de outro programa –que aos poucos torna-se amante de Charles, convertendo-se assim em mais uma das mulheres que lhe fazem todas as vontades.
Por fim, há Paul (Benoît Magimel), jovem arrogante, desequilibrado e rico em quem Gabrielle desperta o interesse. No entanto, Paul se ressente da evidente predileção da jovem pelos avanços de Charles em desprezo às suas tentativas –o que o leva a transferir gradativa e irreversivelmente o centro de todas as suas neuroses (e psicoses) para Charles.
Bem-sucedido em desviar a atenção do expectador para o fato de que narra uma tragédia clássica, valendo-se de escolhas narrativas imprevistas e inusitadas e de elipses notáveis, Chabrol pontua seu filme com observações visuais que enfatizam aqui e ali a cor vermelha –na sublimação de certo teor trágico, na atmosfera algo lasciva que ronda a personagem de Gabrielle e nos rumos reflexivamente pungentes que confere à trama.
Para os conhecedores de Chabrol, de sua filmografia e de sua postura ética, o filme não chega a surpreender. Está mais para uma reafirmação agradável e hábil das convicções morais de um grande realizador.

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