Habilidoso para com os contos de suspense de
ordem dramática e psicológica, o diretor Alfred Hitchcock fascinou de tal forma
a audiência que muitos se esqueciam que ele também era um hábil artesão de
filmes de ação e aventura, como atesta o primor inconteste de seu
“Correspondente Estrangeiro”, ainda em sua fase britânica.
Era questão de tempo que, já em solo americano,
Hitchcock viesse a entregar uma produção de característica parecidas, e a obra
que ele terminou realizando foi alardeada (com certa justiça) como o ponto alto
de sua carreira: O empolgante, eletrizante e precioso “Intriga Internacional”.
Nascido quase que a partir de uma brainstorm
onde o diretor sugeria ao roteirista Ernest Lehman cenas que gostaria de ver
num filme –uma perseguição no Monte Rushmore aqui, um assassinato na sede das
Nações Unidas ali –enquanto tentavam costurar em torno dessas intenções um fio
narrativo coeso e plausível, “Intriga Internacional” terminou se tornando mesmo
a trajetória incauta do inicialmente perplexo protagonista Roger Thornhill
(Cary Grant, irretocável em sua quarta colaboração com Hitchcock).
Tal e qual tantos outros protagonistas de
Hitchcock fadados a embarcar num mundo de perigos quase por uma questão de
mal-entendidos, Thornhill, um executivo publicitário de Nova York, acaba
confundido com um agente secreto, um certo George Kaplan, quanto requisita o
garçom em um restaurante, no exato instante em que este chama por aquele nome.
Capangas a mando de um certo Vandamm (James
Mason) estavam à espreita e, seguindo a lógica, deduzem que Thornhill é Kaplan;
e assim o sequestram, tentando matá-lo embebedando-o num acidente de carro
forjado depois que as tentativas de Vandamm de tirar-lhe informações não dão em
nada (afinal, ele de fato não sabe nada!).
“Intriga Internacional” já mostra ao público aí
o porque de ser uma das mais empolgantes obras de ação do cinema: Tudo nele é
impecável, desde a vibrante trilha sonora de Bernard Herrmann, até a dinâmica
montagem de cenas como a da bêbada (e divertida) escapada de Thornhill de seus
captores (entre os quais um ainda jovem Martin Landau).
Na sequência, Thornhill quer porque quer provar
sua inocência e vê suas tentativas de provar a existência daqueles homens
misteriosos sendo contrariadas –seus antagonistas são hábeis em desaparecer sem
deixar vestígios.
Dessa forma, Thornhill segue a pista que lhe
resta: A identidade de George Kaplan, com quem sua compleição elegante o leva a
ser confundido frequentemente.
Neste trecho, descobrimos muito antes do
próprio protagonista que Kaplan, na verdade, não existe: Trata-se de um
personagem-fantasma criada pelo Departamento de Contra-Espionagem
Norte-Americano, justamente para desviar as atenções do vilanesco Vandamm de
seu verdadeiro agente –o azar de Thorhill foi justamente ter fornecido, sem
querer, um corpo, um rosto e uma voz à Kaplan, tornando-o real.
Após ser incriminado pelo assassinato de um
diplomata da ONU, Thornhill tem de fugir de trem da polícia e dos homens à
mando de Vandamm, e pega um expresso para Chicago, tentando rastrear Kaplan. No
percurso, ele cruza-se com a estonteante Eve Kendall (Eva Marie-Saint, uma das
coisas mais sensacionais do filme) que lhe oferece o respiro de uma noite
romântica.
Mas, Thornhill vem a descobrir –um tanto
tardiamente –que Eve tem mais envolvimentos nessa trama do que sua mera
intenção solícita em ajudá-lo. Ela mesma entra em contato com o que parece ser
George Kaplan e marca um encontro de Thornhill com ele.
O encontro não ocorre, em vez disso, Thornhill
escapa por um triz de ser morto por um avião em um campo rural aberto, naquela
que é uma das cenas de perseguição mais fantásticas e antológicas da História
do Cinema –com direito a infindáveis referências em tudo quanto é tipo de
filme, como por exemplo “Arizona Dream” –ao tentar reencontrar Eve, depois
disso, Thornhill descobre que ela é amante de Vandamm (!).
E não só isso: Eve é também o tal agente
secreto, cujo personagem fictício de George Kaplan tinha por objetivo proteger
das desconfianças de Vandamm.
Embora o roteiro e a condução do filme sejam
eletrizantes o suficiente para que o público não identifique lapsos ao longo de
seu agitado enredo, nunca é devidamente explicado o porque da própria Eve ter
despachado Thornhill para a armadilha envolvendo o avião, nem tampouco quem exatamente
arquitetou aquela armadilha.
O que importa é que, a partir daqui, Thornhill
já não é mais o personagem que caiu de paraquedas numa trama de espionagem
incerta: Ele agora tem um objetivo (salvar Eve e, se possível, ficar com ela).
E esse objetivo o leva, aos trancos e
barrancos, para o estado de Dakota do Sul, onde se dá a aguardada perseguição
sobre os rostos dos famosos presidentes norte-americanos no Monte Rushmore –que
responde também pelo grande clímax do filme.
Hitchcock realmente depositou em seu filme tudo
do bom e do melhor que Hollywood tinha a oferecer naquele período, desde uma
mistura desigual de astros consagrados e cobiçados com talentos reais, até uma
equipe técnica e artística no auge do domínio de seu ofício.
O resultado de tanto primor é uma produção de
grandiosidade palpitante e excelência à toda prova em cada uma de suas cenas,
brindada com a percepção mundana e minimalista de Hitchcock de que, não importa
o elitismo de uma obra de cinema, ela tem por obrigação refletir em seus
expectadores o ápice do prazer e da satisfação a que se pode almejar.
E tudo isso, para o espanto
de gerações e gerações de apreciadores, “Intriga Internacional” consegue obter.
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