terça-feira, 22 de dezembro de 2020

X-Men Fênix Negra


 “Fênix Negra” é, em vários aspectos, o fim de uma era: É o fim dos X-Men como eles foram conhecidos até aqui no âmbito cinematográfico, ou pelo menos, o fim da reinvenção promovida em 2011 por “X-Men Primeira Classe”. É também, a produção que marca a última realização dos Estúdios Fox em torno desses personagens que até então a produtora possuía –as negociações que levaram a Disney a adquirir todo o espólio intelectual da Fox e terminaram levando os direitos dos mutantes de volta para a Marvel Studios estavam em curso enquanto “X-Men Fênix Negra” se achava em produção.

Como resultado, este trabalho –o trabalho de estréia, como diretor, do roteirista mais prolífico desta franquia, Simon Kinberg –já veio prejudicado por uma expectativa bastante negativa, e pelo demérito de abordar uma mitologia já, digamos, moribunda: Os personagens de qualquer modo sofreriam um novo reboot no novo estúdio, e até mesmo Hugh Jackman, o representante maior dessa fase dos mutantes em seu auge, já havia se despedido de seu personagem, Wolverine, em “Logan”.

O fato do filme desagradar público e crítica foi somente a cereja no topo desse bolo pra lá de indigesto que muitos foram obrigados a engolir. Mas, por trás de todos esses revezes tremendamente desfavoráveis, a pergunta crucial que fica é: O filme, afinal, é ruim de fato?

Para muitos é um despropósito discutir esses méritos, visto que quando chegou aos cinemas, “Fênix Negra”, por todas as razões já citadas, tinha perdido sua relevância. Entretanto, a verdade é que não... o filme de Simon Kinberg não é tão ruim assim, não!

Também passa longe de igualar a qualidade pulsante de “Primeira Classe”, o melhor filme de toda franquia, ou mesmo a maestria sempre austera de “Dias de Um Futuro Esquecido”, que manteve um nível considerável de qualidade, mas certamente evita muitos dos equívocos estapafúrdios presentes em “Apocalypse”, por exemplo.

Na pior das hipóteses, o roteiro (também escrito por Kinberg) trabalha os elementos com absoluta desenvoltura e familiaridade –tão habituado ele está com o material envolvendo os mutantes que seu manejo é algo que ele faz com serenidade.

No prólogo, temos uma bem-feita cena de acidente, onde uma ainda jovem Jean Grey perde os pais durante um uso inadvertido de seus poderes (cena esta que contradiz algumas circunstâncias nas quais essa mesma personagem foi introduzida no filme anterior, “Apocalypse”). Corta para a atualidade –ou os anos 1980 ou 90 na cronologia incerta da série... –quando Jean (agora interpretada pela gatíssima Sophie Turner, de “Game Of Thrones”) é uma das alunas da Escola Charles Xavier Para Jovens Super-Dotados, e integra, ao lado de Mística (Jennifer Lawrence), Ciclope, seu namorado (Tye Sheridan), Mercúrio (Evan Peters), Noturno (Kodi Smith-McPhee), Tempestade (Alexandra Ship) e Fera (Nicholas Hoult), o grupo conhecido como X-Men, uma espécie de equipe composta de mutantes, disponibilizados por Charles Xavier (James McAvoy), durante as mais variadas emergências a fim de preservar uma boa imagem do povo mutante perante as pessoas normais.

Numa ocasião surge, portanto, uma emergência mais complicada que o habitual: Um ônibus espacial sofre uma avaria e fica à deriva no espaço à mercê do que parece ser uma tempestade de energia solar. À bordo de seu avançado avião high-tech, o Pássaro Negro, os X-Men partem para o salvamento, e quando as coisas se complicam de verdade, os poderes de Jean se revelam fundamentais: Ele consegue proteger a todos, mas é assolada pela estranha radiação que dela parece se apoderar.

Jean, no entanto, sobrevive. Mas, ao voltar para a Terra, uma energia perigosa e imprevisível começa a se apoderar de sua vontade, potencializando e amplificando seus poderes (a telepatia dela sobrepuja a do Prof. Xavier) e ressaltando seus sentimentos negativos em relação à rejeição e ao abandono. Com isso, Jean volta-se contra Xavier e os X-Men e, no processo, descobre-se poderosa o bastante para superar a todos .

Ao mesmo tempo, criaturas alienígenas descem à Terra em busca de Jean, ou melhor, em busca do poder que ela absorveu –e que, em todo universo, parece ser a única criatura capaz de suportá-lo. Liderando esses seres estranhos e muito pouco esboçados ao longo do filme está Vuk, que assume com obviedades o papel de vilã da história (e para a qual a normalmente competente Jessica Chastain entrega uma atuação fria, caricata e apática).

No meio desse entrave, Eric, ou melhor Magneto (Michael Fassbender), assume uma posição mais ambígua: Embora tenha superado seu antagonismo com Charles Xavier –cuja relação oscilava em amizade e rivalidade ao longo dos filmes –ele não concorda de todo com sua postura, embora também não tenha intenção de aliar-se à Vuk e suas inclinações genocidas.

Com essa premissa e com seus ricos personagens justapostos, o roteiro de Kinberg faz o que sempre foi feito em toda franquia; explora suas dinâmicas humanas, ao mesmo tempo em que nunca perde o foco de suas habilidades sobrehumanas. E uma de suas notáveis qualidades é não perder-se em meio à tanta diversidade: Muitas são as cenas, sobretudo, em sua segunda metade, onde vários personagens com poderes diversos estão em conflito, e todos são empregados, de modo geral, com intensidade, coerência e coesão. Pode não parecer nada, mas essa é uma falha muito fácil de se cometer ao se orquestrar um filme sobre super-humanos com tantos poderes distintos entre si. E nela, “Fênix Negra” não cai.

Os maiores problemas que afligem o filme de Simon Kinberg são, na verdade, dois: O primeiro, o fato de Kinberg ter tanta inexperiência como diretor; Nas mãos dele, cenas que tinham tudo para serem antológicas, perdem seu potencial por pequenos detalhes irrisórios, e às vezes, por um tratamento involuntariamente displicente. E, meu Deus, que direção de atores péssima! –ele consegue desperdiçar talentos incontestes como os de Lawrence, McAvoy, Fassbender e Chastain!!

O segundo é o evidente fato dele aqui tentar adaptar o mais famoso dentre todos os arcos narrativos dos X-Men nos quadrinhos, a “Saga da Fênix” –já aproveitada, também sem sucesso, no irregular “X-Men O Confronto Final” –listada, por muitos, entre as melhores HQs de todos os tempos. Se, pelo menos, “Fênix Negra” se sai melhor do que “O Confronto Final” no cômputo geral, ele se obriga a abandonar aspectos empregados naquele filme, e constrói uma pálida versão de elementos que nos quadrinhos eram exuberantes e intensos, resultando assistível, ainda que imperfeito.

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