Oriundo de um mangá homônimo (as populares histórias em quadrinhos no Japão que reúnem características imprevistas de ação e ficção científica), “Gantz”, o filme, é um exemplo de palpitante fidelidade ao material fonte –todo este primeiro filme corresponde com perfeição às primeiras dezenas de capítulos da HQ –e de como os japoneses são hábeis em verter as suas obras aclamadas para outras mídias –além deste filme (o primeiro de vários), “Gantz” havia rendido, antes, uma também fidelíssima adaptação em desenho animado (o chamado anime) e, depois, renderia ainda uma versão em computação gráfica lançada pela Netflix.
Vamos nos ater, assim, ao primeiro
longa-metragem em live-action, lançado em 2010.
Seu protagonista, Kei Kurono (Kazunari
Ninomiya, de “Cartas de Iwo Jima”) é um jovem estudante à beira de ser
misantropo: Morando sozinho e sem amigos, ele vive de ir e vir da casa para a
escola. Sua alienação é tanta que ele roga para não ser reconhecido por um
antigo colega, Masaru Katou (Kenichi Matsuyama, de “Yamato”), quando este pára
ao seu lado a fim de esperar o metrô.
Todavia, uma série de acontecimentos converte essa
circunstância corriqueira à algo fantasioso e inacreditável: Um bêbado cai nos
trilhos. Antes que o metrô chegue, Katou prontifica-se de salvá-lo, e para
ajudá-lo resolve então apelar para Kurono, seu conhecido.
A contra-gosto, Kurono desce nos trilhos e
empurra o bêbado de volta para a estação, mas... o trem chega e estraçalha
Kurono e Katou que não puderam escapar (!!!).
Eis então a sacada mirabolante tanto do filme,
dirigido por Shinsuke Sato, quanto do mangá, concebido por Hiroya Oku: No exato
momento de sua morte, Kurono e Katou têm seus corpos replicados e teleportados
para um apartamento absolutamente normal em Tóquio.
Lá, estão outros desconhecidos, capturados
aparentemente no instante de morte de cada um: Dois yakuza, um senhor
canceroso, um cara que foi atropelado, etc... além de uma jovem suicida (a
deliciosa Natsuna Watanabe) que materializa-se completamente nua no meio da
sala (!).
Ninguém sabe o que faz ali, nem o que significa
a estranha esfera negra que se destaca como a única coisa incomum do lugar. Tal
esfera é Gantz (um ser extra-terreno, talvez, difícil dizer...) cujos poderes
os colocaram naquela espécie de... jogo.
Sim, pois existem regras, equipamentos, missões
e pontuações a serem distribuídas para todos. A primeira missão (dentre as
três que este longa-metragem se incumbe) é dar cabo de um estranho alienígena
viciado em alho-poró (!). O funcionamento de suas armas, e dos trajes especiais
que recebem, assim como o modo com que se dá as pontuações e seu propósito,
eles irão descobrir no decorrer os perigos, cada um sucessivamente mais difícil
de sobreviver que o anterior.
Basicamente, eles devem eliminar as criaturas
designadas por Gantz, infiltradas nos bairros residenciais japoneses –e durante
as missões, eles são invisíveis aos olhos convencionais, como fantasmas! –a
cada missão, os melhores desempenhos ganham pontos. Finda a missão todos podem
voltar para suas vidas normais, até Gantz decidir teleportá-los de volta ao
apartamento para a missão seguinte. Aquele que acumular cem pontos (e não
morrer, claro), terá um desejo realizado pelo aparentemente onipotente Gantz
–como por exemplo, ver-se livre desse jogo mortal, quando terá também suas
memórias apagadas.
Amparada nessas regras não completamente
simples, mas não exatamente intrincadas, a premissa se desenvolve com um vigor
narrativo que, este sim, destaca “Gantz” de obras comerciais feitas em outras
partes do mundo: Os realizadores não puxam o freio nos quesitos nudez, sexo,
violência e sanguinolência, mesmo diante de elementos temáticos que parecem
voltados para os jovens –como a clara alusão aos videogames embutida na
estrutura de toda a narrativa. Essas escolhas, se em princípio soam improváveis
e incompatíveis, dão enorme personalidade à “Gantz”, seu suspense é mais
contundente e seus momentos amenos são de maior alívio justamente porque
sabemos, por toda a voltagem impiedosa dedicada ao plot, que absolutamente
ninguém está seguro em sua história –como é compulsório em alguns contadores de
histórias mais incisivos, certos personagens, desenvolvidos de forma atrativa e
carismática (e, portanto, sugerindo ao expectador que ficarão vivos até o fim)
são descartados com violência irrestrita na passagem de uma cena para a outra.
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