terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Por Trás Daquele Beijo

 


Devido à sua fama de ‘rainha das comédias românticas’, sobretudo durante a década de 1990, a presença de Meg Ryan em inúmeros projetos ao longo de sua carreira costumava enganar os expectadores, levando-os a crer que a produção na qual ela comparecia se tratava sempre de um filme romântico agridoce com altas doses de humor, sentimentalismo e previsibilidade –e a própria Meg contribuía com isso fazendo filmes e mais filmes sem parar dentro desse sub-gênero.

“Por Trás Daquele Beijo” até guarda elementos que poderiam aproximá-lo de uma comédia romântica, embora já em sua campanha de marketing, lá pelos idos de 1992, tenha ficado claro tratar-se de algo diferenciado, instigante até. Adaptado de uma peça teatral de Craig Lucas, roteirizado por ele próprio (o que garante ao filme similaridades criativas incontestes com sua versão original), o filme dirigido por Norman René (realizador do célebre drama homossexual “Meu Querido Companheiro”, também escrito por Lucas) tem lá sua parcela de sacarose, sobretudo no clima de romance que prevalece no primeiro ato, mas possui propósitos bastante sólidos para as escolhas que toma e, se não chega a ser um grande filme, tem pelo menos o mérito de, ao lado do excelente “Cidade dos Anjos”, ser um título desigual e notável na filmografia de Meg Ryan.

Repetindo o mesmo papel que interpretou (e muito bem) nos palcos, Alec Baldwin vive Peter, jovem editor que, numa noite qualquer, conhece a garçonete Rita, personagem de Meg. Insone, beberrona, algo niilista, mas certamente encantadora, ela se revela fascinante o bastante para que ele a procure nos dias seguintes. Logo, eles engatam um namoro sério. Ele conhece os pais dela (vividos por Ned Beatty e Patty Duke), e marcam casamento.

A despeito desse trecho inicial enfadonho e longo –ainda que preenchido de informações que serão relevantes ao plot mais tarde –é durante o casamento de Peter e Rita que “Por Trás Daquele Beijo” oferece sua grande guinada: Durante a cerimônia, um velho penetra aparece (vivido por Sydney Walker). Ninguém o conhece e, antes de ser expulso da festa, ele pede apenas oportunidade de dar um beijo na noiva.

Eis que ao beijá-la, o velho troca de mente com Rita, que vai parar no corpo do idoso. Agora, a mente do homem velho habita o corpo da garota jovem e recém-casada com lua-de-mel marcada para a Jamaica. Entretanto, ao longo dos dias, Peter vai percebendo que a pessoa que está agora casada com ele, não é a mesma que ele namorou esse tempo todo: Rita não bebe mais, não tem mais problemas para dormir, agora quer ter filhos quando antes não queria, não possui mais as mesmas inclinações socialistas de antes, nem fala e age da forma como fazia (!). Embora o corpo ainda seja o mesmo, é outra pessoa quem agora o habita.

Um elemento curioso do roteiro é justamente não entregar isso de imediato, deixando que o expectador acompanhe a gradual e perplexa constatação do mesmo ponto de vista de Peter –o que desde já torna a minúcia desta resenha um emaranhado de spoilers; ainda que o filme já seja bastante antigo. O roteiro de Craig Lucas, com essa opção, valoriza assim os pequenos detalhes, as peculiaridades dos diálogos e a capacidade de seus intérpretes, como é usual numa peça de teatro.

Se há algo de sublime no fato do diretor René optar por uma narrativa menos cômica e mais dramática, por outro lado, o filme padece de uma preocupante lentidão, acarretada devido à expansão da trama em cenas que se alternam em diferentes ambientes a fim de agregar uma mobilidade cinematográfica à narrativa e não engessar a história nas restrições inerentes ao formato teatral.

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