Nos anos tenros da minha cinefilia, eu acreditava inocentemente que haveriam filmes –sobretudo, os românticos –que me ajudariam a entender e a conquistar o sexo oposto, como um manual cinematográfico na difícil arte de cortejar as mulheres (e nisso obter sucesso). Por muito tempo, um filme que julguei ser crucial para alcançar esse inestimável conhecimento foi “Mulher Nota 10”, de Blake Edwards, afinal, se no filme o baixinho sem atrativos e sem sex-appeal Dudley Moore conseguia seduzir a escultural modelo Bo Derek (em sua estréia no cinema), então o roteiro de tal filme era potencialmente um guia de como executar um feito tão improvável. Em minha inocência, eu não levava em conta ainda o fato de que os filmes –em especial, aqueles orientados por um viés de romantismo –e a vida real vinham separados por um abismo de idealização ocupado por intermináveis subterfúgios da ficção.
O saldo positivo é que, se a obra de Edwards
pouco serviu para solucionar quaisquer empecilhos amorosos, ao menos revelou-se
aquilo que dele eu deveria ter somente esperado desde o início: Um filme muito
bom.
Na trama, o nanico inglês Dudley Morre é o
músico George Webber –e tal fato garante uma simbiose criativa e orgânica entre
o roteiro de Blake Edwards e a trilha sonora de seu fiel colaborador Henry Mancini,
desde os tempos de “A Pantera Cor-de-Rosa”.
Tendo completado 42 anos, George experimenta
uma espécie de crise de meia-idade, na qual se ressente das aventuras amorosas
que não viveu. A visão constante das festas eróticas de seu vizinho –observadas
por meio de um indiscreto telescópio! –ressaltam a sensação de insuficiência em
sua vida sexual, não obstante a presença constante em seu dia-a-dia, da
encantadora e solícita Sam (Julie Andrews), um interesse romântico sempre à
disposição e que, talvez por isso mesmo, custa a despertar em George, a
urgência da paixão.
Um belo dia, contudo, ele é arrebatado,
literalmente, por uma visão: Uma jovem noiva (Bo Derek em pessoa, assombrosa de
tão linda) a caminho do próprio casamento que, nas palavras que ele troca com o
próprio psicanalista mais tarde, é uma verdadeira ‘nota 10’!
Perturbado por aquela aparição, George mete-se
em seguidas confusões, muitas delas, materializadas naquele característico
humor entre o non-sense, o screwball e o pastelão que tanto
definiram a filmografia de Edwards –humor este, ao qual custa o baixinho Dudley
Moore se adequar com harmonia.
A verdade é que George não consegue mais viver,
nem funcionar em sociedade se não tentar fazer algo para aplacar seu desejo;
leia-se, tentar levar aquela jovem para a cama.
Seguindo um estratagema quase improvisado de
tão gaiato, ele descobre quem ela é –seu nome é Jennifer –e que está em
lua-de-mel no México, para onde George termina indo. Lá, ele ronda Jennifer e
seu marido durante algum tempo, enquanto orbita o balcão do bar local –ocupado
pelo simpático barman vivido por
Brian Dennehy –até que o destino possibilita uma chance inesperada dele ter a
tão sonhada mulher em seus braços.
Sob a ótica de um observador dos tempos atuais,
a filmografia de Blake Edwards em geral –e “Mulher Nota 10” em particular
–podem soar, hoje em dia, como comédias de humor tradicional, agridoce e
inofensivo (ainda que emoldurado por inerente e involuntário machismo), porém,
se olharmos nas entrelinhas é o perfeito oposto: Embora jamais tivesse abrido
mão de um elegância que permeia toda sua obra, Edwards sempre buscou, à sua
maneira, uma certa transgressão que ele parecia enxergar como um saudável
diferencial em cada trabalho. Assim, ele ousou colocar um garoto e uma garota
de programa como protagonistas em seu “Bonequinha de Luxo” (embora tudo fosse
mascarado por um verniz de comédia romântica), abordou o alcoolismo enquanto
convertia uma comédia simpática num drama incisivo em “Vício Maldito”, e até
satirizou o próprio sistema hollywoodiano no mal-fadado “S.O.B.”.
Em “Mulher Nota 10”, ele ainda faz questão de
preservar requinte e romantismo à moda antiga consciente do filme que quer
fazer –pois apesar de tudo, “Mulher Nota 10” é, lá no fundo, a história de
altos e baixos, idas e vindas, do amor entre George e Sam –mas, acrescenta à
esse conceito convencional uma abordagem mais transparente, adulta e ousada do
sexo: O filme não se isenta de cenas generosas de nudez, e não apenas de Bo
Derek que nos brinda com sequências de enfartar o coração já próximo do final!
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