segunda-feira, 5 de abril de 2021

The Boyfriend - O Namoradinho


 Nas obras que realizou, Ken Russell sempre foi como uma fera indomada. Incapaz de se sujeitar a padrões. Inconformista para com as regras convencionais do sistema. Implacável na acidez que demonstrava em relação aos retratos usuais feitos pelo cinema.

Lançando no ano de 1971, “The Boyfriend” tem um intervalo de apenas cinco meses após o horripilante “Os Demônios”, a obra de maior controvérsia em toda a controversa filmografia de Russell. Numa primeira impressão pode-se deduzir que ele resolveu maneirar –não é bem assim...

Adaptado da peça musical, “The Boyfriend”, de Sandy Wilson, lançada em 1954, o filme era um regresso de Russell ao gênero pelo qual ele mais ganhou reconhecimento: As produções musicais de exuberância cênica.

A protagonista Polly –vivida pela modelo, cantora e atriz Twiggy, considerada uma das primeiras supermodelos do mundo –é uma jovem e tímida assistente de palco na Inglaterra dos anos 1920. Envergonhada, irrequieta e prestativa, Polly proporciona um auxílio quase invisível aos egocêntricos integrantes do grupo teatral, que mal dão atenção para ela, ocupados com o próprio umbigo.

Durante um apresentação diurna da peça corriqueira que apresentam –um musical de costumes intitulado “The Boyfriend” –o teatro, no entanto, recebe a visita do diretor de cinema Cecil B. De Thrill (Vladek Sheybal, de “Moscou Contra 007” e “A Dança dos Vampiros”, numa paródia ao lendário cineasta Cecil B. De Mille), que certamente verificará alguns talentos possíveis de serem levados por ele para Hollywood. Contudo, isso se dá no mesmo dia em que a estrela principal, Rita (Glenda Jackson, que fez com Russell “Mulheres Apaixonadas”, pelo qual levou o Oscar de Melhor Atriz), sofreu um acidente e torceu o pé!

No papel de assistente –e quebra-galho geral do teatro –cabe, portanto, à Polly substituir a atriz principal da peça. Ela, que é tímida e acanhada, deve superar as próprias limitações para encarar o papel principal do show –e isso já garante, de pronto, uma série de presepadas iniciais –além de tentar lidar com o amor não correspondido por um dos rapazes do elenco, Tony (Christopher Gable), que não se furta, no decurso da apresentação, em flertar com outras atrizes, ignorante do amor de Polly.

Como se todos esses revezes sentimentais e logísticos não bastassem –capturados com propriedade pela narrativa inquieta, ácida e travessa de Russell –a peça em si converte-se numa indigesta vitrine de egos: Todos os integrantes –exceto a romanticamente desolada Polly –se mostram menos interessados em desempenhar seus papéis e mais em destacar-se perante o ilustre expectador, promovendo números de afetação evidente.

É Ken Russell capturando as facetas destoantes de vaidade, presunção e competitividade no showbuziness de então, enquanto molda, no processo, uma sucessão deslumbrante de apresentações musicais onde compartilha, sem pudores, seu fascínio pelo formato. Diferente do conceito clássico de musical difundido pelo cinema –ainda que ele preserve o rigor técnico, a coreografia bem ensaiada e os requintes de fotografia e direção de arte –Russell permite que sua encenação seja intoxicada por lapsos inerentes ao desleixo do acaso, pequenos erros que agregam o humor já proposto de sua premissa (estamos, afinal, numa tumultuada apresentação matutina) e pelos exageros inevitáveis decorrentes da disputa do elenco por atenção. E nesse sentido, a direção de Russell é salutar na sua ênfase da soberba.

O desfecho é quase esperado: Polly, com sua naturalidade cativante, à medida que se impõe no papel protagonista, chama mais a atenção de Thrill do que todo o esganiçado e espalhafatoso elenco profissional, entretanto, mesmo isso Russell faz questão de subverter. No inesperado gancho de uma paternidade súbita de última hora, e na cena final, romântica ao seu jeito imprevisto, Russell jamais esquece de fugir do óbvio.

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