Nas obras que realizou, Ken Russell sempre foi como uma fera indomada. Incapaz de se sujeitar a padrões. Inconformista para com as regras convencionais do sistema. Implacável na acidez que demonstrava em relação aos retratos usuais feitos pelo cinema.
Lançando no ano de 1971, “The Boyfriend” tem um
intervalo de apenas cinco meses após o horripilante “Os Demônios”, a obra de
maior controvérsia em toda a controversa filmografia de Russell. Numa primeira
impressão pode-se deduzir que ele resolveu maneirar –não é bem assim...
Adaptado da peça musical, “The Boyfriend”, de
Sandy Wilson, lançada em 1954, o filme era um regresso de Russell ao gênero
pelo qual ele mais ganhou reconhecimento: As produções musicais de exuberância
cênica.
A protagonista Polly –vivida pela modelo,
cantora e atriz Twiggy, considerada uma das primeiras supermodelos do mundo –é
uma jovem e tímida assistente de palco na Inglaterra dos anos 1920.
Envergonhada, irrequieta e prestativa, Polly proporciona um auxílio quase
invisível aos egocêntricos integrantes do grupo teatral, que mal dão atenção
para ela, ocupados com o próprio umbigo.
Durante um apresentação diurna da peça
corriqueira que apresentam –um musical de costumes intitulado “The Boyfriend”
–o teatro, no entanto, recebe a visita do diretor de cinema Cecil B. De Thrill
(Vladek Sheybal, de “Moscou Contra 007” e “A Dança dos Vampiros”, numa paródia
ao lendário cineasta Cecil B. De Mille), que certamente verificará alguns
talentos possíveis de serem levados por ele para Hollywood. Contudo, isso se dá
no mesmo dia em que a estrela principal, Rita (Glenda Jackson, que fez com
Russell “Mulheres Apaixonadas”, pelo qual levou o Oscar de Melhor Atriz),
sofreu um acidente e torceu o pé!
No papel de assistente –e quebra-galho geral do
teatro –cabe, portanto, à Polly substituir a atriz principal da peça. Ela, que
é tímida e acanhada, deve superar as próprias limitações para encarar o papel
principal do show –e isso já garante, de pronto, uma série de presepadas
iniciais –além de tentar lidar com o amor não correspondido por um dos rapazes
do elenco, Tony (Christopher Gable), que não se furta, no decurso da
apresentação, em flertar com outras atrizes, ignorante do amor de Polly.
Como se todos esses revezes sentimentais e logísticos
não bastassem –capturados com propriedade pela narrativa inquieta, ácida e
travessa de Russell –a peça em si converte-se numa indigesta vitrine de egos:
Todos os integrantes –exceto a romanticamente desolada Polly –se mostram menos
interessados em desempenhar seus papéis e mais em destacar-se perante o ilustre
expectador, promovendo números de afetação evidente.
É Ken Russell capturando as facetas destoantes
de vaidade, presunção e competitividade no showbuziness
de então, enquanto molda, no processo, uma sucessão deslumbrante de
apresentações musicais onde compartilha, sem pudores, seu fascínio pelo
formato. Diferente do conceito clássico de musical difundido pelo cinema –ainda
que ele preserve o rigor técnico, a coreografia bem ensaiada e os requintes de
fotografia e direção de arte –Russell permite que sua encenação seja intoxicada
por lapsos inerentes ao desleixo do acaso, pequenos erros que agregam o humor
já proposto de sua premissa (estamos, afinal, numa tumultuada apresentação
matutina) e pelos exageros inevitáveis decorrentes da disputa do elenco por
atenção. E nesse sentido, a direção de Russell é salutar na sua ênfase da
soberba.
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