segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Viagem À Lua


 Inventores do cinema, os Irmãos Lumière, reza a lenda, depositavam pouca confiança na longevidade de sua criação; eles acreditavam que a celeuma e o interesse causado pelas inéditas imagens em movimento eram passageiros. Tanto que eles recusaram prontamente o pedido de um ávido entusiasta, George Mélies, para lhe venderem uma câmera.

Oriundo do teatro e dos palcos (onde se apresentava como mágico), Mélies, ao contrário dos Lumiére, ficou logo apaixonado por aquela nova forma de arte –e nela, enxergou o futuro!

Mélies arregaçou as mangas e construiu sua própria câmera para, em 1902, produzir sua primeira e revolucionária obra: “Viagem À Lua”.

Consideravelmente longo na comparação com a demanda fugaz e básica com que os filmes eram então produzidos –os curta-metragens tinham entre dois e três minutos, enquanto que a realização de Mélies durava catorze minutos –“Viagem À Lua” trazia elementos de fantasia, futurismo, mitologia e literatura fantástica mesclando Jules Verne à Frank L Baum e imediatamente estabelecendo os paradigmas para o que até hoje é definido como a ficção científica no cinema; e abrindo margem, assim, para os experimentalismos visuais que Mélies  empregaria valendo-se de sua especialidade como ilusionista ao conceber o conceito inicial de efeitos especiais –o truque inaugurado por Mélies de sobrepor imagens e usar de um corte horizontal na montagem para intercalar cenas fantásticas foi, por muito tempo, a pedra fundamental dos efeitos visuais em cinema até o advento da computação gráfica.

Na trama, a França se torna palco de um congresso onde cientistas deliberam sobre uma exploração espacial à Lua, sendo seu membro mais proeminente o Prof. Barbenfouilis (vivido pelo próprio George Mélies). Executada a missão, a nave espacial, em forma de um foguete, aterrisa na Lua naquele que é uma das cenas mais inquestionavelmente icônicas do cinema: A Lua, representada por um rosto que a humaniza num tom lúdico, tem o foguete encravado em seu olho direito (!).

A partir de então, a vasta imaginação cênica de Mélies se faz presente, com imagens sucessivas de surpresas visuais, como a aparição dos selenitas (os curiosos habitantes da Lua) que, em combate, desvanecem em fumaça a um simples golpe. Os exploradores conseguem escapar dos redutos do rei dos selenitas, para então cair no oceano onde, no fundo do mar, tornam a encontrar mundos inexplorados e fantásticos.

Ao fim dessas sucessivas aventuras, o grupo liderado por Barbenfouilis regressa à França onde são recebidos como heróis.

É um consenso que, tendo ele realizado esse trabalho em uma época tão embrionário de tudo aquilo que o cinema viria a ser, George Mélies não assume, aqui, necessariamente a função de diretor –na organização que ele fornece às cenas, na forma com que rege os elementos que dispõe em seu filme, no senso de espetáculo que ele tão orgulhosamente imprime ao seu trabalho, Mélies lembra muito mais uma espécie de maestro. Se há um enredo, mirabolante e fantasioso, a unir os segmentos, ele funciona mais como um pretexto breve e pontual do que como o exerce que determina a narrativa –e Mélies faz disso uma oportunidade para mostrar que, dentro das possibilidades quase infinitas do cinema, a imaginação pode ser moldada e transfigurada dentro da tela, onde sonhos vívidos e arrebatadores podem ser compartilhados com o mundo ao custo da tenacidade e criatividade de autores singulares como George Mélies.

Nenhum comentário:

Postar um comentário