sábado, 10 de dezembro de 2016

Nascido Para Matar

Os filmes anteriores do diretor Stanley Kubrick que abordavam a guerra foram o poderoso “Glória Feita de Sangue” e o épico “Spartacus”, sempre adotando um viés por meio do qual a observação se estendia para além do conflito, convertendo o projeto em algo diferente.
Mas, “Nascido Para Matar”, seu penúltimo trabalho, é um filme de guerra com todas as letras. Kubrick almejava pôr em perspectiva a “beleza do combate”, e vislumbrar com sua narrativa sempre inquisitiva, a forma como os homens abandonam as ideologias que os movem para entregar-se ao êxtase da batalha.
E, do início ao fim, ele põe em prática seu detalhismo metódico para expor esse argumento.
A primeira e impecável parte de “Nascido Para Matar” se passa num campo de treinamento militar onde paulatinamente suas câmeras mostram o processo de remoção de identidade dos recrutas voluntários (a primeira cena, onde todos têm seus cabelos podados é só o início) para transformá-los em soldados selvagens prestes a lutar no Vietnam.
Nesse entrecho, Kubrick já trata de povoar seu filme com elementos memoráveis: O sargento insanamente militarista interpretado com som e fúria por R. Lee Ermey; a profundidade de campo obtida pelas lentes em foco contínuo que registram o treinamento obcecado dos recrutas; a sucessão irônica, impiedosa e desumana de tarefas e procedimentos; e a gradativa imersão na loucura do desleixado soldado interpretado com brilhantismo por Vincent D’ Onofrio (que atualmente dá um show no papel de Rei do Crime na série do “Demolidor”).
Num corte seco –como lhe é de praxe –Kubrick arremessa o público na segunda parte de seu filme, quando a teoria do treinamento dá lugar à prática do combate propriamente dito e seu protagonista, Joker (interpretado por Matthew Modine) se vê em pleno Vietnam às voltas com inúmeros absurdos registrados no campo de batalha –tão mais absurdos por serem retratados com total despojamento por Kubrick, longe das alegorias e do surrealismo que Coppola impôs em seu “Apocalypse Now”.
Na visão de Kubrick, a guerra é uma circunstância atroz, sanguinária e irônica que expõe as facetas mais primitivamente pecaminosas do homem: A luxúria das prostitutas vietnamitas que dialogam com os soldados num bisonho sotaque inglês; a vaidade dos despreparados oficiais americanos que só pensam em sorrir para as câmeras; a sanha homicida incontrolável dos operadores de metralhadora; a avidez dos jovens soldados ao usar suas armas e descobrir o próprio poder de matar.
Tudo na narrativa de Kubrick especula a tremenda adequação que as emoções da guerra encontram na hostilidade inerente à condição humana, e partir daí vislumbra os ecos de uma esperança que ele por ventura se permite cultivar.

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