sábado, 10 de dezembro de 2016

Cinquenta Tons de Cinza

Assim como a série “Crepúsculo” –cujo sucesso parece inexplicável aos muitos apreciadores do cinema de qualidade e com méritos –a adaptação do best-seller erótico escrito pela autora E.L. James guarda uma razão bastante lógica para sua gorda bilheteria: Ele “herdou” o mesmo público de “Crepúsculo”; as mesmas adolescentes que infestaram as salas de cinema com aquele filme, hoje, cresceram, e têm idade para assistir uma produção erótica.
Melhor ainda se tal produção vem com aquele mesmo apelo romântico, egocêntrico e blassé que definia também a história de amor entre o vampiro Edward e a humana Bella –e, de fato, a autora confessou ter se inspirado (o quê nem precisava sendo isso completamente óbvio!) no romance entre os dois personagens para conceber seu livro –ainda aproveitou e teve a esperteza (ou a sorte) para nele acrescentar justamente o elemento que faltava à açucarada obra de Stephanie Meyers: Sexo.
Basicamente, é atrás disso que parecem ir os fãs desse trabalho, ainda que mesmo nesse quesito (a provável e sugestiva idéia de se mergulhar num mundo de sexo sadomasoquista) a obra termine revelando-se bastante tímida. E, se isso já ocorria com o livro –cujo despudor para com o relato das cenas de sexo permitia uma riqueza de detalhes bem intensa –imagine então numa obra áudio-visual, bancada por um grande estúdio, ou seja, com o compromisso de ser uma produção “elegante”.
Escolhida para entrar nessa armadilha, a diretora inglesa Sam Taylor-Johnson (do sensível “O Garoto de Liverpool”) faz o quê pode priorizando as cenas com uma encenação refinada e enfatizando valores reais, como o aproveitamento exemplar da trilha sonora de Danny Elfman e das distintas atmosferas que ela consegue impor.
Mas, seu filme pena pelas mesmas razões que adaptações em geral sofrem: A versão em filme, com apenas duas horas de duração, é incapaz de dar conta das nuances de uma história que se prolonga para além desse tempo: O resultado acaba prejudicando a índole de seu protagonistas –sem o respaldo explicativo de muitos momentos que foram necessariamente cortados algumas atitudes ou situações soam forçadas ou sem sentido, ou mesmo inverossímeis depondo contra os acontecimentos decorridos, e isso, num filme sobre relacionamentos, onde grande parte da narrativa depende da percepção e da sutileza com os quais esses desdobramentos de sucedem, é quase catastrófico.
Ah, sim, vamos à história: A jovem e acanhada estudante de literatura, Anastassia Stelle (numa atuação até bem acertada de Dakota Johnson, que se mostra desinibida nas cenas de nudez) tem a incumbência de entrevistar o todo poderoso e todo ricaço Christian Grey (Jamie Dornam, ora correto, ora constrangedor), às vésperas de sua formatura. A partir de então, o enigmático Grey passa a assediá-la, embora seu interesse, no final das contas, não seja um relacionamento comum: Sujeito misterioso de hábitos sombrios e reservados, a última coisa que Grey demonstrar querer é romance: Ele, na verdade, deseja fazer de Anastassia a sua "submissa" e com ela praticar seus fetiches sadomasoquistas que passam longe de qualquer intenção romântica.
Apesar de ser avessa a isso, Anastassia começa aos poucos a ser enredada por Grey (que consegue, ainda sim, mostrar-se galante e envolvente nos sucessivos encontros e desencontros que se seguem) e esse sofisticado estilo de vida, entretanto, apesar de tudo é Anastassia quem parece –um pouco com o auxílio do acaso –subverter o comportamento de Grey, fazendo-o inconscientemente assumir uma certa relação com ela.
Com relação às cenas de sexo –as quais devem certamente ter mobilizado a curiosidade de todos que foram conferir o filme –pode-se afirmar que a diretora até manteve um equilíbrio bastante satisfatório: Não estão lá todas as relatadas no livro, e nem tampouco a riqueza de detalhes quase pornográfica com a qual isso é feito, mas as passagens (pelo menos, aquelas essenciais à trama) não foram ignoradas, apenas amenizadas, ainda que também isso possa ser frustrante para alguns expectadores –afinal, se pararmos para pensar no terreno em que a produção entra, as grandes cenas de sexo do cinema são pautadas por sua transgressão, vide “O Império dos Sentidos”, “O Último Tango em Paris” ou “Azul É A Cor Mais Quente”.
Todas essas decisões tomadas modificam “Cinqüenta Tons de Cinza”, o filme, em relação ao livro: Ele deixa de ser uma obra referencial com o malicioso tempero do sexo para se tornar um filme romântico que se contenta em registrar os altos e baixos de uma relação.
Só isso.
Essa conclusão questionável, todavia, não pareceu incomodar as legiões de fãs que fizeram dele um sucesso de bilheteria.

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