Os EUA ainda digeriam com certa relutância a
experiência frustrante do Vietnam quando o diretor Michael Cimino, prontamente
em 1978, lançou aquele que deve ser o primeiro trabalho a debruçar-se sobre as
mazelas daquela guerra da forma como o cinema americano passou realmente a
fazer –clássicos mais antigos como “Os Boinas Verdes”, com John Wayne (também
ele ambientado no Vietnam), eram registros ultrapassados que remetiam ao
anacronismo da Velha Hollywood a fim de insuflar uma inapropriada propaganda de
guerra.
Com “O Franco Atirador”, Cimino almejava algo
diferente: Lançar uma ótica essencialmente inquisitiva sobre a guerra e suas conseqüências
a partir da história de um grupo de jovens amigos.
Assim, sendo, é numa cidade metalúrgica do
norte dos EUA que encontramos os jovens de classe trabalhadora, unidos por uma
profunda amizade, que serão, a sua maneira, o cerne de toda a desestabilizadora
narrativa de Cimino. E o elenco que o diretor reuniu para interpretar esses
personagens é, ainda hoje, impressionante: Robert De Niro, John Savage,
Christopher Walken (vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por este
filme), John Gazale, além de Meryl Streep como a namoradinha do personagem de
Walken.
Sem a menor pressa, Cimino dedica pelo menos
toda a primeira hora de filme a acompanhar a forma com que todos celebram sua
amizade durante a longa cerimônia de casamento de um deles, quando estão
prestes a serem enviados, nos dias vindouros, como combatentes ao Vietnam. A
percepção de premeditado drama que se instala aos poucos ganha um contorno
maior da seqüência em que eles caçam juntos na manhã seguinte, envolta em
simbolismo e em uma atmosfera fria e triste –justamente, o momento que batiza o
filme, “The Deer Hunter” (O Caçador de Cervos), no seu título original.
De repente, num corte tão severo e brutal
quanto será sua postura como contador de histórias daqui por diante, Cimino
arremessa platéia e personagens –sem pretexto, justificativas, preâmbulos ou
cenas intermediárias –na loucura da guerra. O que se segue então é uma sucessão
violenta de cacofonia e brutalidade que o diretor Cimino eventualmente poderá
até aliviar em termos de som e fúria, mas que jamais irá arrefecer (pelo contrário)
no que diz respeito à esmagadora tensão psicológica. Os protagonistas (pelo
menos aqueles que não morrem!) tornam-se prisioneiros dos vietcongues e são
submetidos a terríveis torturas psicológicas envolvendo roleta russa: Eles são
obrigados a engatilhar pistolas contra a própria cabeça podendo elas estar
carregadas ou não.
Eles escapam e mais tarde voltam para casa
totalmente transformados pela experiência da guerra. Cabe a um deles
(interpretado por De Niro), ao que parece, zelar pelos companheiros, todos em
frangalhos, físicos e psicológicos –o personagem de John Savage, por exemplo,
perdeu uma perna no combate e tal flagelo o impede de viver; já o de Walken,
perdeu completamente o juízo e ficou no Vietnam onde ganha dinheiro em disputas
de roleta russa (!), ainda que a personagem de Meryl Streep não seja capaz de
esquecê-lo.
“O Franco Atirador” é, por
isso mesmo, uma obra deliberadamente pesada, difícil e extenuante na qual todo
o desgastante drama humano não apenas propicia um curioso reflexo do olhar que
o povo norte-americano dirigiu a guerra do Vietnam nos anos 1970, como também
abre um leque variado de elementos dramáticos com os quais o diretor Michael
Cimino possa trabalhar –e assim evidenciar uma insuspeita capacidade artística –ainda
que visto hoje, muitos desdobramentos de seu roteiro soem ocasionalmente
exagerados.
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