sexta-feira, 24 de março de 2017

Bravura Indômita

O cinema da Era de Ouro de Hollywood exerce um encanto fenomenal nos Irmãos Coen. Para tanto, eles criaram alguns de seus mais notáveis trabalhos debruçando-se sobre os valores, as circunstâncias e a mentalidade daquela época e como esses fatores foram, em grande medida, decisivos na concepção de obras fundamentais à sétima arte.
É um pouco desse fascínio que eles parecem resgatar nesta maravilhosa adaptação do livro de Charles Portis, e que, em sua recriação cheia de talento e personalidade, não faz nada feio se comparado com o clássico de 1970, estrelado por John Wayne –o único filme, diga-se, que chegou a dar, à essa lenda do cinema, a chance que concorrer e ganhar o Oscar de Melhor Ator.
A versão dos Coen não tem pretensão de substituir, no imaginário do público, o filme clássico, mas sim de oferecer uma visão diferenciada sobre o mesmo argumento; em muitos aspectos os Coen tornam este um filme bastante diferente, infundindo nele suas percepções mais atualizadas, uma espécie de ambigüidade moral na caracterização dos personagens e do ambiente, e um nível de detalhamento que escapava às produções antigas.
Velho Oeste. Ao chegar num típico vilarejo ao Norte dos EUA, a jovem Mattie Ross (Hailee Stanfield, fabulosa) tem um único objetivo: mobilizar uma caçada implacável ao homem vil (Josh Brolin) que matou seu pai.
Aos seus 14 anos, porém, Mattie, mesmo que obstinada e astuta, obtém pouco crédito das autoridades locais, que invariavelmente ignoram seus apelos. A única ajuda que ela consegue é o beberrão, mal-humorado e caolho Rooster Cogburn (Jeff Bridges, numa atuação brilhante em postura e observação), junto do relutante oficial LaBoeuf (Matt Damon, também ele muito bem aproveitado).
Juntos, muitíssimo à contra-gosto, essas três pessoas de irredutível caráter, mas, completamente incompatíveis entre si empreenderão a tal caçada humana pelas longínquas e inóspitas pradarias americanas.
Absolutamente livres de auto-censura e de qualquer necessidade politicamente correta, os Coen, astuciosos, pontuam seu filme com observações que jamais surgiriam em uma produção dos tempos da Velha Hollywood, em especial o tratamento indigno e cruel reservado aos índios pelo homem branco.
Eles homenageiam o passado com a auto-consciência crítica de quem sabe pertencer ao futuro.
Nem por isso, contudo, os Coen enaltecem atos de anti-heroísmo da parte de seus personagens tão humanos e idiossicráticos: Espirituosos, os Coen expõe as facetas dúbias, emocionais e irreversíveis de sua jornada até o seu desolado fim, permitindo, por meio de intérpretes de grandeza maior, que o público se enamora de todos eles apesar de tudo, e compartilhe uma pontinha de lamento quando chega a hora da despedida.

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