Só mesmo Jean Pierre Jeneaut (na época ainda
fazendo parceria com Marc Caro) para realizar um filme onde confluem
inspirações vindas dos desenhos animados (evidente no comportamento quase
esquizofrênico dos personagens, e no visual estilizado) e características
adultas bem macabras –entre elas o canibalismo e uma forte noção de fatalismo
–tudo pontuado com ironia e humor negro.
Afinal este trabalho nada mais é do que um
pequeno panorama das mazelas existenciais da humanidade, como toca ao gênero a
que pertence: A ficção científica.
É uma desolada cidadezinha francesa em
frangalhos, quase soterrada por pó do deserto onde a narrativa nos joga. A
época aparenta ser um futuro indefinido, onde as escassez de comida conduz os
moradores ao desespero. Todos moram num mesmo prédio daonde, à princípio,
parecem não poder sair. O andar térreo, como veremos mais à frente, é ocupado
por um açougue chamado Delicatessen, cujo proprietário (Jean-Claude Dreyfuss)
normalmente não encontra outras opções senão a de servir a carne de seus
empregados como alimento para sua clientela (!).
O mais recente empregado, contudo, é o
ex-artista de circo, louco por achar sua própria finalidade, Louison (Dominique
Pinon, presença recorrente nos filmes de Jeneaut), por quem Julie (Marie-Laure
Dougnac) a filha engraçadamente míope do dono do açougue se apaixona.
Louison se desdobra em tarefas e multiplica-se
nos afazeres que lhe cercam no açougue, mas seu chefe planeja mesmo dar a ele o
mesmo destino dos demais ajudantes: Virar a comida que preencherá, ao cair da
noite, a barriga dos bizarros moradores.
A fim de salvá-lo desse destino macabro, Julie
entra em contato com um grupo de estranhos revolucionários vegetarianos (!) que
habitam o subsolo.
Primeiro trabalho em longa-metragem de Jean
Pierre Jeneaut –cujo “Fabuloso Destino de Amélie Poulain” o tornaria uma
espécie de estrela –“Delicatessen” era definido pelo próprio realizador como um
filme que “não se inclui em nenhuma corrente do cinema francês”, sendo citada
como maior freqüência por ele uma referência à “Brazil-O Filme”, de Terry
Gillian.
No entanto, naquele início dos anos 1990, era
possível perceber, sim, algumas similaridades com exemplares também bastante
insólitos vindos da França, em especial os trabalhos de Leos Carax como o
inusitado “Mauvais Sang”, ou mesmo obras de orientação e inclinação incomum,
como as de Jean-Jacques Beineix (os produtores e boa parte da equipe técnica,
por sinal, são aos mesmos de “Betty Blue”).
Dito isso, há clara
influência dos quadrinhos europeus da revista “Metal Hurlant” –que também
influenciou, e ainda influencia, os trabalhos de Luc Besson –na composição
impregnada de delírio e peculiaridade, revestindo esta parábola tão visualmente
admirável quanto humoradamente lúgubre de uma névoa de ambigüidade, o quê lhe
permite abordar tópicos como a insanidade e o suicídio sob um viés de
inacreditável leveza.
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